Responda rápido, caríssimo leitor: para que servem os classificados? Pois é, se você respondeu que eles servem para comprar e vender, sinto muito, você está enganado. Quer dizer, meio enganado, porque, além disso, eles têm outras funções. Não acredita? Eu também não acreditava. Até que, um belo dia, percebi um amigo folheando o jornal pelos anúncios. Espantei-me. Perguntei: “você começa a ler o jornal daí?” e ele me assentiu, dizendo que adorava lê-los, como se fossem romance, e que, por lê-los assim, já havia descoberto várias possibilidades. Infelizmente, não tive tempo de perguntar-lhe quais eram; fui forçado a passar o dia pensando o que mais os classificados poderiam me oferecer... sempre gostei de ler as crônicas, as notícias de economia, política internacional... mas os anúncios? O que de mais eles poderiam conter?
Foi quando resolvi descobrir por mim mesmo as tais “possibilidades”. De fato, acho que, com um pouco de esforço e boa vontade consegui descobrir algumas. A primeira é a mais prosaica de todas: servir de “tapete” para gaiola de passarinho. Não tem coisa melhor que classificado: eles usam muito mais tinta preta do que o resto do jornal, absorvendo melhor a titica das aves. Além disso, é mais respeitoso: imagina só colocar debaixo dos bichos a foto de um Chefe de Estado, ou de uma celebridade, ainda que de BBB? Despendendo da pessoa, é muita falta de consideração; dependendo da outra, vira vingança, mesmo.
Descobri também que os classificados também servem de curso de idioma. Duvida? Então, tente entender isso: ar, vid, dir, te. Latim? Sânscrito? Grego? Não... carro mesmo: ar, vidro, direção e travas elétricas. Faço ideia que tipo de carro é esse... para se escrever tão abreviadamente, deve ser um Ford Ka ou um Fiat Uno. Ah, mas você pensa que acabou? Tem também isso: qua, sal, coz, dep com. Isso é casa... ou talvez uma quitinete, de tão pequeno que o negócio ficou... Fora coisas como s t ou s m que são, respectivamente, sol da tarde ou sol da manhã. Óbvio, ainda prefiro o bom e velho português. Imagina sair à rua dizendo “Vdo car complt, c trav, vid, ar, dir”... alguém iria entender? Se nem nos próprios classificados a gente consegue... até hoje não compreendi gr px. Tá pior que plutonelia...
Há, porém, um lado místico neles... esses dias vi tanta oração sendo publicada que acho que o céu já contratou estagiários para acompanhar o jornal. E tome santo: Santo Expedito, das causas urgentes, Santa Luzia, dos olhos doentes; Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, intercessora das graças, São Galvão, primeiro santo genuinamente brasileiro, São Judas Tadeu e por aí vai... Tudo pela graça alcançada. Mas também há o lado triste: os anúncios de falecimento. É missa de sétimo dia, um ano, dois, cinco... tenho, aliás, uma história com isso. Uma não, duas: fiquei sabendo do falecimento de uma amiga que não via há muito tempo, pelo anúncio da missa de sétimo dia; um outro amigo também, o que significa que a gente sempre deve frequentar quem a gente gosta, antes que seja tarde demais...
Há também o lado cômico. Um humorista conhecido meu descobriu a seguinte “pérola da língua portuguesa”: Fulana, linda – a partir das 18 horas. Imagina só como ela deve ser antes desse horário? Eu é que não queria saber! Uma vez, vi um de um sujeito que queria selecionar meninas para pousar nuas. Literalmente: ele só queria “avião”! Aliás, esses anúncios de “acompanhantes” são os mais engraçados. Não, amigo leitor, não se preocupe, não vou publicar nada aqui nesta crônica. Sequer me atreveria! Mas fico daqui só imaginando com que cara o cidadão (ou cidadã) chega num balcão de classificados para oferecer, digamos, os “dotes”... mesmo por telefone, ainda que você não veja quem está do outro lado, tem que ter muita disposição. Deve render uns bons trocados, porque tem páginas só disso. Haja coragem!
Classificados também têm seu lado de utilidade pública – e aí, concurseiros e concurseiras de plantão, vai a minha dica: muitas prefeituras e até algumas Unidades Federativas publicam seus atos em jornais de grande circulação. Portanto, se você passou em algum concurso recentemente, fique de olho: já soube de gente que perdeu a vaga por não ter acompanhado direito os jornais. Fora os anúncios de cursinhos preparatórios, para todos os tipos, gostos e bolsos. Só não passa num concurso quem não quiser estudar! A propósito, os já concursados também devem ficar ligados: quem sabe aquelas férias ou até mesmo aquela aposentadoria já não saíram e você não sabe?
Enfim, após de todas essas elucubrações, fui atrás desse amigo, dias depois, para saber quais eram essas tais “possibilidades” e ele me contou uma história interessantíssima: formado em administração de empresas, ele sempre acompanhou os anúncios para saber como anda o mercado. Foi quando, um dia, descobriu um gap e correu atrás da oportunidade, comprando uma loja de roupas e acessórios femininos numa das regiões mais nobres de Vitória. O negócio deu tão certo que ele e a noiva estão cheios de planos. Simples e objetivo, como tem de ser no mundo dos negócios. E eu que fiquei imaginando coisas do arco da velha! Talvez seja essa, aliás, a grande diferença entre escritores e empreendedores: nós sonhamos, eles transformam em realidade. Bom seria se desse para unir os dois em um só. Só sei que, de agora pra frente, uma coisa eu prometo: vou começar a ler os classificados com outros olhos. Ah, se vou!
Crônica publicada na revista "Direito e Atualidade", ano I, 4ª edição, maio de 2011, página 8.