domingo, 13 de fevereiro de 2011

O TELEFONEMA QUE NUNCA FOI DADO

Hoje eu iria escrever sobre algo completamente diferente, mas, por conta de uma notícia que recebi nesta manhã, resolvi mudar o foco da crônica. Notícia muito atrasada, é verdade e que a gente espera, tão cedo, não seja dada. Descobri, dois anos depois, que uma amiga muito querida se foi, resolvendo tapear a Morte. Ela se foi um pouquinho antes do tempo, sabe? O “engraçado” (com aspas mesmo) é que, uns dois anos antes, essa amiga se encontrou com a minha mãe e pediu-lhe o número do meu telefone para falar comigo. Nunca me ligou...

É estranho tratar deste assunto. Digo isso porque, esses dias, li uma excelente crônica do jornalista e escritor Delano Câmara sobre o tema. Nela, ele fala a respeito de um cidadão que postou em seu twitter que tinha medo de morrer dormindo porque queria ver a cara da Morte, ao vir buscá-lo. Um texto de extrema sensibilidade, em que ele fala da “indesejável das gentes” (como diria Manoel Bandeira) com tanta leveza que me deu até vontade de escrever algo parecido. Vítima de um grave acidente automobilístico há pouco mais de um ano, entrei em coma por mais de uma semana e me vi em um corredor. Nele, eu era puxado por um senhor de terno e chapéu amarelados, numa imagem muito diferente daquela caveira de foice e machado ou de um anjo de asas brancas e translúcidas, como falou Delano. Bom, se era mesmo a Morte, ela se veste muito mal!

Entretanto, por incrível que pareça, a “indesejável das gentes” cheira muito bem. Digo isso porque tinha um colega de mestrado que dizia possuir um dom especial: ele sentia o cheio da morte! Não, amigo leitor, se você chegou até aqui, não torça o nariz, porque eu também pensei em cheiro de podre. Mas, segundo ele, a morte tem um “agradável” odor agridoce, o que significa que ela deve ser bem asseadinha. Eu, infelizmente, tenho uma rinite terrível e não consigo cheirar nada direito – e mesmo que quisesse, não queria sentir esse cheiro... O interessante é que, veja só!, até ela pode ter um lado cômico: me veio à cabeça, agora, uma comédia de 1992, chamada “A morte lhe cai bem”, em que duas rivais (Meryl Streep e Goldie Hawn) tentam driblar a “indesejável” com uma estranha poção mágica, dada pela lindíssima Isabela Rosselini.

Engraçada ou não, sabemos que a Morte é a única certeza da vida. Se bem que eu tinha um professor que dizia que as grandes certezas da vida são três: que você vai morrer um dia; que você vai pagar tributos; e que não há nada de graça neste mundo. Uma ou três, o fato é que ela é implacável, por mais que queiramos driblá-la com eufemismos ou quaisquer outros truques linguísticos. Digo isso por conta da “imortalidade” dos acadêmicos, motivo de tantas piadas pelos que estão perto de mim. Costumo dizer que sou imortal sim, mas não “imorrível”... Olavo Bilac, aliás, um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, dada a penúria da instituição em seus primeiros tempos, dizia que os membros daquele silogeu eram chamados de imortais porque não tinham nem onde cair mortos!

O tema também já suscitou muita coisa na literatura. Vêm à mente as histórias de vampiros, estes sim bem “imortais”, tão em moda hoje em dia com os Crepúsculos e Luas Novas da vida. Prefiro uma Anne Rice, atual sem ser piegas. Ou o irlandês Bram Stoker. Aliás, monstros e seres de outro mundo são bem coisa de literatura em língua inglesa, mesmo. Sou mais a suavidade das letras neolatinas, e daí cito, de novo, Bandeira, com sua sensibilidade ímpar! Ou o inimitável Machado de Assis, com seu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Daqui do Espírito Santo, meu colega Pedro Nunes, que, no festejado “Vilarejo e Outras Histórias”, escreveu o conto “O Relógio”, primor no assunto. E, é claro, a recente crônica de Delano Câmara.

Seja qual for a cara (ou mesmo o cheiro) da Morte, amigo leitor, por que será que as pessoas se preocupam tanto com ela e não com a vida? Será que você continua fumando, ou largou o cigarro? Está praticando alguma atividade física? Mas, principalmente: será que você está amando mais ou continua guardando rancor e ódio em seu coração daquela pessoa que nem mais se lembra de você? Já deu bom dia para aquele seu vizinho para quem você nem olha direito? Já viu a plantinha que cresceu no jardim de casa? Sabe como o porteiro do seu prédio se chama? Ah, e a propósito: será que você anda cuidando mais da sua vida ou da vida dos outros?

Jamais vou receber o telefonema daquela amiga – apesar de achar que, um dia, a gente vai se ver de novo. Em todo caso, vivos ou mortos, o fato é que, como diria o escritor inglês Oscar Wilde, poucos de nós vivemos, enquanto a maioria vegeta, o que é uma lástima! Infelizmente, é tipicamente humano dar valor ao que se perde, quando, neste caso, se é impossível voltar atrás. Não culpo essa amiga por não ter me ligado, mas, certamente, prometo ligar mais para os parentes e amigos queridos, antes que seja tarde. Porque desta vida, a única coisa que a gente leva é o amor que a gente plantou e a felicidade que a gente colheu. Definitivamente.


12 de fevereiro de 2011.