sábado, 21 de maio de 2011

OS HOMENS INVISÍVEIS

         Talvez ninguém saiba, mas dia 16 último deste mês foi o dia do gari. Faz muito tempo, eu queria escrever sobre eles. Desde quando, casmurro ao extremo, de dentro do meu carro, avistei um caminhão de lixo na minha frente com uns dois ou três na caçamba. Tentei fazer o possível para desviar, mas, de súbito, aqueles trabalhadores me comoveram. Metendo a mão no lixo, suportando um odor desagradabilíssimo, tarde da noite, enquanto tanta gente se divertia, lá estavam eles, contando piadas, brincando. Sua alegria era contagiante! Impossível passar indiferente!
            Para quem não sabe, o nome gari vem de um francês, Pierre Gary. Durante o Segundo Império, mais precisamente no ano de 1876, Gary assinou um contrato com o Ministério Imperial para limpeza pública da cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhadores ficaram conhecidos como “a turma do Gary” e o nome, aportuguesado, pegou de norte a sul do Brasil. Em Portugal, só de curiosidade, o mesmo profissional recebe o nome de “almeida”, por conta de um cidadão do mesmo nome, que também explorava esse ramo de atividade.
            O que mais chama a atenção nos garis é que eles não chamam a atenção de ninguém. Parece paradoxal: quanto mais eles riem, gritam, mais passam despercebidos. Queremos nos desviar deles, fingir que eles não existem. Tal fenômeno tem uma explicação: é a chamada “invisibilidade social”. Durante um mês, o psicólogo Fernando Braga da Costa se vestiu de gari e começou a trabalhar com eles e, surpresa! O rapaz estudado, de classe média, tornou-se uma espécie de fantasma. Nem os professores foram capazes de enxergá-lo e a experiência virou o livro “Homens invisíveis – Relatos de uma humilhação social”, provavelmente o único estudo detalhado sobre o assunto.
            E por falar em fantasma, acho que a única obra artística de que me lembro a respeito do tema foi o filme português “O Fantasma” (2000), de João Pedro Rodrigues. Nele, um “almeida” (o gari português) tem suas mazelas dissecadas durante as quase duas horas de projeção e, incrivelmente, tanto aqui quanto lá esses profissionais são alvo de preconceito, discriminação e desprezo, por parte dos demais cidadãos. Um verdadeiro homem invisível. Um fantasma! Nome, infelizmente, muito apropriado...  
            O inusitado nessa questão da invisibilidade social (ou pública, como queiram) é que, justamente, quando esses trabalhadores saem de cena é que nos lembramos de quão importante eles são. É quando nós os “vemos”. Tempos atrás houve greve de garis aqui em Vitória e, alguns meses seguintes, em Linhares, norte do Estado. Todos notaram, por óbvio! Foi só a sujeira ir se acumulando, acumulando... sujeira em que, muitas vezes, a gente não quer pôr a mão. Há quem não desça do apartamento com uma sacola de lixo! Para que, se temos quem faça o “serviço sujo”?
            Talvez a única pessoa que tenha enxergado alguma poesia na profissão de gari foi um primo meu, quando criança. Hoje, adulto, ele nem se lembra muito bem, mas, quando pequeno, ele gritou bem alto para minha mãe dizendo o que queria ser quando crescesse: motorista do caminhão de lixo! É claro que todos nós caímos na risada, mas, se você perceber a sutileza da coisa, existe aí um quê de divertido. Aquele carrão enorme, cheio de luzes piscando pra lá e pra cá... e o bom-humor dos rapazes, aquele de que falei anteriormente. Você pode me achar louco, mas, depois de ver a cena do primeiro parágrafo, acho que, hoje, eu entendo esse meu primo.
            Não, amigo leitor, não estou pensando em me tornar gari amanhã – apesar de não ver absolutamente nada de indigno nessa profissão. Mas, certamente, a partir de hoje, prometo passar a olhá-los com outros olhos. Aliás, prometo passar a olhá-los. Ah, você se lembra daquele mau-humor do início da crônica? Pois é, acabou num minuto. Dei seta, cortei o caminhão com calma e, por fim, buzinei cordialmente, em sinal de agradecimento. Sim, porque, naquele sublime instante, redescobri que para a gente ser feliz basta muito pouco. Basta apenas abrir os olhos e enxergar o que está na nossa frente.    

sábado, 7 de maio de 2011

TUDO SOBRE O NADA

Depois de agradecer o convite do editor José Roberto, busquei um montão de ideias para minha primeira crônica para o “Caderno Ensaio” de “A Gazeta”, mas não consegui pensar em nada. Foi aí, então, que tive um insight e resolvi: vou escrever tudo o que sei sobre o nada. Espantado, leitor? Nada a ver! Pois saiba que até mesmo o nada tem muito a ser dito!

Pra início de conversa, convido você a um exercício: abra suas mãos e separe-as, o máximo que puder. Agora, responda-me: o que há no meio delas? Certamente, você vai me dizer “nada”. Errado! Tem é muita coisa aí: uma enorme quantidade de partículas em suspensão, pairando entre uma mão e outra, a tralha espalhada embaixo delas e o “Caderno Ensaio”, além desta humilde crônica, é claro!

O nada também serviu de inspiração pra muita obra artística. Rita Lee, ainda em 1979, sentenciou: nada melhor do que não fazer nada. De fato, de vez em quando, ficar à toa é muito bom, numa rede, na frente da praia, tomando água de coco e assistindo a uma série sobre o nada. Duvida? Pois é, ela existe. É o humorístico norteamericano Sienfield, em que quatro amigos, Jerry, George, Cramer e Elaine não fazem nada, o dia inteiro – e vivem se metendo em confusão. Bom pra quem quer ficar no ócio.

E por falar em ócio, de tanto não fazer nada, muitos filósofos nos brindaram com séculos de pensamento. Sócrates já dizia “só sei que nada sei”. Nietzsche falava do niilismo das coisas, uma força que dirige o nada e Jean Paul Sartre, em “O Ser e o Nada”, pregava a “nadificação” do ser, isto é, morreu, virou nada – pra ser curto e grosso. Mas foi o pensador italiano Domenico di Masi, em o “Ócio Criativo”, que disse que de vez em quando é bom não fazer nada, mesmo. Será que ele já ouviu Rita Lee?

Aliás, nem a religião escapou do nada. Pois não foi em Gênese, primeiro livro da Bíblia, que Adão e Eva viviam no jardim das delícias, numa boa, sem fazer nada? Isso até comerem do fruto proibido, né? Foi aí que tudo aconteceu... Nem pra aquela maçã estar bichada!

O nada pode acontecer a qualquer escritor. Exceto um: Rui Barbosa. Diz a lenda que, em Haia, na Holanda, tentaram pregar-lhe uma peça, dando-lhe um papel em branco, pra ele não discursar. Entretanto, Barbosa disse que aquilo era um convite a falar sobre o nada – e discursou durante duas horas! Imagino que ele deva ter dito tudo! Eu, por meu turno, prefiro falar, pelo menos, alguma coisa. Afinal de contas, falar do nada é melhor do que não ter nada pra falar.

Crônica publicada na 2ª edição do "Caderno Pensar" de "A Gazeta", Vitória/ES, sábado, 07 de maio de 2011, página 5.  

segunda-feira, 2 de maio de 2011

LADINHO

Osama está morto, viva Obama! O mundo todo foi pego de surpresa: o presidente norte-americano anunciou oficialmente a morte do terrorista número 1 do mundo. Corri para o Google, para procurar uma imagem do cadáver e encontrei. Minutos depois fiquei sabendo que a foto era fake, o corpo havia se desmanchado e o que sobrou tinha sido “enterrado no mar” (sic). Morte sem cadáver? Caro leitor, pense comigo: será que esse cara está morto, mesmo?


Eu não me lembro agora onde eu li isso, mas certo jornalista, perguntado sobre a possibilidade de uma 3ª Guerra Mundial, foi enfático: “ela já começou”. Realmente, a chamada “Guerra ao Terror”, canhestra cruzada antiterrorista, engendrada pelo então presidente George W. Bush, desviou o eixo das atenções do palco europeu para um novo front. Não há mais a divisão “Leste-Oeste”, mas, agora, “Norte-Sul” ou até, melhor dizendo, “Cristãos-Não Cristãos”. Parece um repeteco das antigas Cruzadas, só que o motivo, agora, é a “segurança mundial”, e a riqueza, o petróleo.

Mas... o que é o terror? Que inimigo invisível é esse, que pode estar em todos os lugares? Obama nas alturas! Fechamos um ciclo de 10 anos, botando, de quebra, a popularidade do presidente americano em níveis estratosféricos! A festa nos EUA parecia mais final de Copa do Mundo. Tudo isso numa semana em que Barack teve de provar que era verdadeiramente americano, que Obama não tem nada a ver com Osama e nem Hussein com outro famoso terrorista e ditador. E agora? Estamos realmente seguros?

Sinceramente, estou torcendo para que Bin Laden esteja vivinho da silva! Não, amigo leitor, não sou simpático ao terrorismo e entendo o sofrimento individual dos afetados nos atentados, certamente. Mas líderes talibãs já disseram que vão revidar. Melhor Osama vivo do que mártir! Prefiro imaginar que esse cara esteja bem escondido em algum lugar do mundo, no Afeganistão, nas Ilhas Tuvalu ou no quinto dos infernos! E já que essa operação toda está parecendo mais um teatro, fico imaginando a cena: Osama, numa rede, na frente da praia, recebendo o telefonema de um estressado Obama, da Casa Branca:

OSAMA: Alô?

OBAMA: Alô, Osama? Aqui é Obama!

OSAMA: Fala, meu rei! Quanto tempo! O que você manda?

OBAMA: Rapaz, tá difícil pegar você, hein?

OSAMA: Ôxe! É que tô numa boa, sentado na minha rede, tomando água de coco e vendo o tempo passar...

OBAMA: Peraí? Você não está querendo me dizer que...

OSAMA: Pois é... vim pro Brasil. Tô em Salvadô da Bahia, curtindo o maior vidão!

OBAMA: Nada disso, seu cara-de-pau! Venha já pra cá que meu Ibope anda muito baixo e eu preciso garantir minha reeleição!

OSAMA: De jeito nenhum que eu vou trocar uma tarde em Itapuã por uma vida naquela prisão de Guantánamo! Nem pensar!

OBAMA: Mas e agora... o que é que eu faço? Esse negócio de “Guerra ao Terror” já gastou milhões de dólares e matou muita gente! Preciso da grana pra minha próxima campanha e de eleitor pra votar em mim...

(pausa dramática)

OSAMA: Já sei! Eu tenho uma ideia. Que tal você fazer o seguinte: diz que eu tô morto, que destruíram com o meu corpo e que vocês tiveram de jogar o que sobrou no mar.

OBAMA: Tá brincando? E alguém vai acreditar nisso?

OSAMA: Você nunca ouviu falar de twitter? Bota a informação lá que em um segundo o mundo inteiro fica sabendo. Mas eu quero algo em troca.

OBAMA: O quê?

OSAMA: Deixe uns poços de petróleo pra mim, pra que eu possa me sustentar por aqui mesmo, porque daqui eu não saio, daqui ninguém me tira!

OBAMA: Mas, e se reconhecerem você?

OSAMA: Fica frio! Tirei a barba, raspei a cabeça, botei um turbante e virei outra pessoa. Teve até um cantor famoso aqui que disse que eu era bonito e parecia com gente da família dele!

OBAMA: Osama Bin Laden, eu...

OSAMA: Bin Laden não! Agora, meu nome é Ladinho. Fica frio que você nunca mais vai ouvir falar de mim. E me deixe porque tem ensaio do Olodum daqui a pouco e eu não posso ficar de fora!...