domingo, 19 de dezembro de 2010

EXTRA! EXTRA! EXTRA!

Edição Extraordinária:

Belém. Sucursal: A comunidade internacional não fala de outra coisa! Chefes de Estado do mundo todo se preparam para o que acabou de acontecer. Diplomatas do globo estão em polvorosa!

À meia-noite do dia 24, foi avistada, no céu da cidade judaica de Belém, em Israel, uma intensa bola de luz, que fazia uma trajetória descendente, em direção àquele lugar.

Cientistas do mundo todo estão prontos para desvendar o estranho fenômeno. Há quem pense tratar-se de mais uma manobra terrorista, para que se desviem as atenções de todos com um míssil ou qualquer outro tipo de artefato bélico.

Entretanto, fontes seguras afirmam tratar-se, não de mais uma arma de guerra ou mesmo de um objeto voador não identificado, como também foi especulado, mas sim de uma estrela. Uma linda estrela de paz...

Esta estrela, segundo astrônomos do mundo todo, é um fenômeno raro: aparece nos céus do mundo todo, sempre à meia-noite de vinte e quatro de dezembro, riscando o firmamento com sua luz extremamente intensa.

Além disso, segundo as mesmas autoridades, ela sempre cai no mesmo lugar. Isto porque traz uma mensagem: nasceu o menino!

E assim, há mais de 2000 anos, a mesma estrela singra os céus, avisando a todos da chegada deste menino, tão pequeno, tão frágil, ão pobrezinho, mas tão rico no amor a todo aqueles que Ele considera seus filhos.

Infelizmente, poucos de nós entendemos e, até mesmo, observamos o cair deste astro de luz. Aliás, quiçá atentamos para o nascimento desta criança, que se dá, para nós, todos os anos, como o maior presente que poderíamos receber em nossas vidas.

Hoje, mais uma vez, o menino nasceu; e, nascerá, cada ano, trazendo consigo a sua mensagem de amor, de paz e de fraternidade. É uma mensagem muito simples, aliás. E, de fato, não é preciso ser um cientista ou um grande líder para escutá-la. Pois ela não está nas teorias, nos livros ou na melhor retórica; mas sim, dentro do coração de cada um de nós.

Ouçamo-la, portanto. Porque, mergulhados no caos do quotidiano, na cada vez mais acirrada ganância dum mundo que se orienta, dia-a-dia, para a guerra e para a destruição, fechamos nossos olhos para não vermos o cair da estrela e nossos corações, para não recebermos este menino.

Esse menino que se chama JESUS CRISTO.

É o que desejamos a todos, nesta data plena de magia: fiquem com o Cristo de cada ano, o Cristo de sempre, pois só Ele é capaz de manter a chama deste espírito que nos imbui e que deve perdurar, cada ano, o ano todo! Não somos irmãos apenas no dia do natal; somos irmãos todos os dias, enquanto renascermos com Jesus.

Esta é a mensagem do menino...

(Escrita, originalmente, no ano de 2002, aos 24 anos, e até então inédita.)

São esses os meus votos para todos os amigos, leitores e seguidores deste blog! Muito obrigado pelos comentários, pelo carinho e principalmente pela atenção que todos dispensaram aos meus singelos escritos. Espero, neste ano próximo vindouro, continuar contribuindo, quinzenalmente, com minhas linhas, mas, principalmente, espero poder contar com enriquecedora leitura de todos. Boas Festas! 

Gostaria, também, de fazer um agradecimento pessoal ao jovem (e talentosíssimo) poeta baiano Yon (http://yon-sopalavras.blogspot.com/) que presenteou o blog deste escritor com um selo de qualidade literária, o qual peço licença para reproduzir abaixo. Este autor sente-se envaidecido com a homenagem, ainda que creia não merecer tanto, e promete continuar militando nas trincheiras da literatura, a fim de honrar este maravilhoso presente antecipado de Natal. Muito obrigado!

  

Anaximandro Amorim,
Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras,
Cadeira 40

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O MEU ÚLTIMO VEXAME

Nunca gostei de circos. Acho que é trauma. Lembro-me que, da última vez em que fui, lá pelos idos de 1982 ou 1983, um leão, passeando pelo picadeiro, levantou a perna e fez xixi em cima de um senhor e de seu netinho, respingando na minha mãe e em mim. Aquilo pode ser considerado como uma espécie de batismo – ou advertência, para jamais pôr os pés em um lugar desses de novo. Desde então, comecei a detestar palhaços, exceção feita para o Bozo, talvez porque ele ficasse do lado de lá da tela da televisão e eu no lado de cá; também comecei a desenvolver um quadro muito parecido com mágicos, com ressalvas ao Mister M. Adorava vê-lo contar o segredo dos mágicos. Era minha vingança pessoal contra todos eles!

Infelizmente, o mundo dá muitas voltas e, se um dia eu consegui escapar do leão, outro dia, certamente, não conseguiria fugir do mágico. E esse dia foi há algumas semanas. Foi no meu trabalho, na abertura de uma premiação. Um mágico embusteiro escolheu algumas pessoas para auxiliá-lo e, obviamente, eu fui um dos “agraciados”. Ainda cheguei a comentar com uma colega de trabalho que eu seria a próxima “vítima” do prestidigitador. Dito e feito! Ainda tentei virar a cabeça, abaixar os olhos, mas ele foi se chegando mais perto, cada vez mais perto, muito mais perto... até parar do meu lado! “Você, gostei de você”. Como poderia correr dali? Sei lá, mas acho que tenho um alvo pintado na testa... Em suma: mais um vexame para minha (extensa) coleção...

Aquela “eterna experiência” de alguns “minutos” serviu para me ensinar duas coisas: a primeira é que qualquer um pode ficar tímido. É incrível a timidez... ela é como um juiz (muito) rigoroso que prolata uma pesada sentença, pesada demais para ser cumprida. Digo isso porque eu me considero uma pessoa muito extrovertida, mas, na hora, confesso, me deu um “branco” como se diz por aí. A sensação é horrível: o tempo não passa, você não sabe onde pôr as mãos, não sabe para quem olhar, não sabe o que fazer, não sabe de nada! O mágico, para piorar a situação, resolveu fazer um “improviso” com “cartas de baralho”. É óbvio que eu sei a diferença entre um dois de paus ou um ás de copas, mas quem disse que eu consegui distinguir uma coisa da outra na hora?

A segunda coisa que eu aprendi foi a sensação do vexame. Na verdade, foi um reaprendizado, pois, quem nunca passou por uma situação vexatória na vida? É como uma comichão que vai tomando conta do corpo inteiro, de uma hora para a outra. Você vai se sentindo quente e, ao mesmo tempo, o corpo vai endurecendo. A única coisa que você quer é que uma cratera bem grande se abra na sua frente e que você caia na China ou qualquer lugar que o valha. Como já disse, o tempo não passa, definitivamente, comprovando a teoria de Einstein, e as mãos tremem desesperadamente... você sente vontade de correr, mas as pernas não obedecem. E quando a coisa toda acaba, dá vontade de se desmaterializar do local e ficar fora um mês, até que todo mundo se esqueça do acontecido. Fazia tempo que não me sentia assim...

Creio que ele fez a mágica errada. Ao invés de cartas, ele poderia ter feito com que eu desaparecesse do palco. Seria mais apropriado. Em saber que tudo isso começou com um xixi de leão, lá nos anos 1980... enfim, sou da mesma opinião do pai de uma colega de trabalho, que diz que a gente vai nesse tipo de lugar para rir, e não para “ser rido”. E eu o fui do diretor presidente ao contínuo... Não preciso nem dizer o que meus colegas de trabalho fizeram depois... em todo caso, se você, que está lendo essa crônica, for palhaço, mágico ou domador de leão, como dizem meus alunos, nada pessoal mas faça-me um favor: vê se “me erra” da próxima, tá bom? Pelo amor de Deus!



Anaximandro Amorim,
Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras,
Cadeira 40.

sábado, 27 de novembro de 2010

O CHOQUE ENTRE OS DOIS BRASIS

Lembro-me de ter escrito, há alguns meses, uma crônica chamada “Os dois Brasis”, em que falava a respeito do ranking das melhores e piores escolas do país, este último, ocupado em massa pelo ensino público. Lembro-me também de ter escrito, no fim do texto, que esperava um dia poder fundir esses dois Brasis em um só. E esse dia chegou! Só não imaginava que fosse ser tão rápido! Pois, certamente, o que assistimos hoje, no Rio de Janeiro, é o choque entre esses dois países: de um lado, o Estado oficial; do outro, o poder paralelo. E, no meio, centenas de pessoas inocentes, as verdadeiras vítimas do aparato de guerra, montado nos pés da Vila Cruzeiro e demais comunidades ligadas ao narcotráfico. Brasil oficial é recebido assim: a bala, por quem dele jamais precisou.

É sabido que, historicamente, pobreza, no Brasil, sempre foi caso de polícia, e não de política. Como em uma conspiração inteligentemente arquitetada durante os nossos 500 anos de história, as “elites”, como são genericamente chamados aqueles que se sucedem no poder, sempre preferiram a “patuleia ignóbil”, a massa de manobra cordata, doente, faminta, iletrada. É muito mais fácil domar gado assim. É o que Claudio de Moura Castro, na edição 2191 da revista Veja chamou de “Cortina de Burrice”: garantia de isolamento do mundo com uma educação de péssima qualidade e, vou até um pouco mais além, conspirando para a espiral do fracasso, de norte a sul em nosso país, na reprodução das mazelas em outros campos do tecido social.

O que tais “elites”, no entanto, não perceberam é que, isolados e jogados à míngua, esses grupos de pessoas criaram sua própria ética, no sentido estrito do termo. Onde o Brasil oficial não avançou, o poder paralelo criou leis, tribunais, códigos morais e tantos outros aparatos de substituição do Estado. Certamente, na mente de muitos ali, deve ser incompreensível a presença desse Leviatã que, de uma hora para outra, resolveu se apoderar do “pedaço deles”. Como em um verdadeiro (e lucrativo) negócio, os líderes do chamado crime organizado simplesmente viram um gap de mercado, sem nem mesmo precisar de uma faculdade em administração e ali se instauraram. A lógica é tão simples que chega a ser desconcertante. O que impressiona é por que as autoridades deixaram a coisa tomar tamanha proporção ao longo dos anos?

A investida nos morros com blindados, helicópteros, soldados e outros aparatos bélicos deveria ser motivo de vergonha e não de alegria. Quero dizer, não que não se deva agir repressivamente. O contentamento das populações locais comove. Fico imaginando famílias inteiras privadas do direito mais que natural de ir para a varanda de suas casas; ou mesmo, de abrir uma janela, dentre tantas outras coisas. Mas, chegar a esse ponto demonstra o descaso de séculos de história para com a população brasileira, num país que teima em não se enxergar como nação, privilegiando alguns em detrimento a outros. O que acontece no Rio, a meu ver, é o microcosmo do que pode, certamente, acontecer em outros locais do país. É a História cobrando um preço muito alto a todos nós...

A fusão dos dois Brasis se faz urgente e irreversível. O problema todo é a repartição de privilégios. Ninguém quer perder seu quinhão. Contudo, não há outra maneira de fazê-lo. Muito se fala em Nova York ou Medelín e como essas cidades coibiram seu problema endêmico de violência. Uma das saídas foi a educação; outra, o emprego. A repressão foi apenas o começo, a saída imediata. O grande problema é que nós brasileiros somos os reis do imediatismo. Acho que finalmente chegamos a um “impasse histórico”: ou quebramos o paradigma de séculos ou teremos o desprazer de ter cenas como essas como uma constante, pois, se nada além for feito, de onde esses saíram, certamente, sairão mais. Recebido a bala, o Brasil Oficial, finalmente, tenta se impor em locais onde antes não havia chegado. Espero que o motivo seja mais que Copa ou Olimpíada. Apesar de tudo, enquanto brasileiro, guardo uma ponta de otimismo. Em todo caso, não dá mais para conviver com dois Brasis tão díspares. Definitivamente.

Anaximandro Amorim,
Escritor, membro da Academia Espírito-Santense de Letras.
(cadeira 40)

domingo, 14 de novembro de 2010

ESTÁ TODO MUNDO FICANDO GORDO

Li uma notícia na internet que me deixou estarrecido: o Brasil já conta com uma verdadeira epidemia de obesidade, do Oiapoque ao Chuí. Fiquei impressionado com a notícia, mas também com a palavra. Epidemia. É muito forte, essa palavra. Epidemia de gripe, epidemia de Aids, epidemia de um monte de coisa... mas de obesidade? Achei a palavra, no contexto, no mínimo, inusitada! Epidemia... parece que, agora, se alguém vir um gordo na rua, deve sair correndo, com medo de ficar assim também... do jeito que a coisa anda, só de ficar perto de um, a gente vai pegar obesidade.

Brincadeiras à parte, a coisa é séria: números de organismos do Departamento de Saúde dos Estados Unidos da América indicam que aproximadamente 60% da população daquele país sofre com excesso de peso ou é obesa. É um marca inacreditável! O Brasil, infelizmente, vai no mesmo caminho: pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que em todas as regiões do país, em todas as faixas etárias e em todas as faixas de renda aumentou o percentual de pessoas com excesso de peso. O sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e nada menos que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos. Entre os 20% mais ricos, o excesso de peso chega a 61,8% na população de mais de 20 anos. Também nesse grupo concentra-se o maior percentual de obesos: 16,9%. É surpreendente!

Isso significa: está todo mundo ficando gordo! E isso é visível. Eu já cruzo com pessoas na rua que, se não vierem falar comigo, não consigo reconhecer mais. Aconteceu esses dias, mesmo! Se uma ex-colega não tivesse me abordado, teria passado ao lado dela, sem dar a mínima de atenção. Ela era magrela, magrela... como era um amigo meu também, mas o estado dele, hoje... até eu mesmo, quem diria, também começo a dar sinais de briga com a balança. Lembro-me que, até a época da faculdade, podia contar minhas costelas. Comia o que quisesse. Hoje, já preciso conjugar um verbo que até algum tempo me dava arrepios: emagrecer. Isso se não quiser fazer parte das estatísticas! Nunca pensei que tivesse de passar um tempão na esteira, suando. Odiava fazer isso. Em resumo: até eu estou ficando gordo...

Não sei de quem é a culpa disso. Do governo, que permite cantinas escolares com salgadinhos, refrigerantes, ao invés de frutas, por exemplo? Dos pais, que não têm tempo de criar seus filhos e, assim, deixam as crianças comerem o que quiserem? Da mídia, que nos bombardeia com belíssimas propagandas de junk food, o tempo todo? Talvez um pouco de tudo. Mas, convenhamos: comer é bom demais, não é? Chocolate ao leite ou meio amargo ou com nozes e avelãs; picanha com aquela capinha de gordura e um sanguinho escorrendo e um belo torresminho ou um pote de batata frita, salgadinha e crocante ou um tropeirinho; pizza de presunto, portuguesa, frango com catupiry, com bastante azeitona e ketchup, mostarda ou maionese, para dar um sabor especial; hambúrguer com coca-cola bem gelada... quem é que resiste a esse tipo de coisa?

O pior é que não há para onde correr: ouvi uma entrevista de uma nutricionista no rádio e até mesmo aquilo que eu – e todo mundo – considerava saudável faz mal a saúde: diet e light não é tudo a mesma coisa e um contém açúcar e outro o mesmo nível de calorias; barra de cereal, já disseram, pode dar até câncer; as frutas que a gente compra no supermercado estão recheadas de agrotóxicos; os alimentos “naturais”, uma vez ensacados, podem perder suas qualidades e transformar-se em grandes vilões da alimentação; ração humana não tem capacidade nenhuma comprovada; e até mesmo a carne branca vem de animais infestados de hormônios que podem atingir a gente! A conversa foi tão terrível que um ouvinte pensou e falou aquilo que eu gostaria de ter tido coragem de perguntar: “mas doutora, será que a gente não pode comer nada, então?”

É por isso que, a partir de agora, eu quero lançar um manifesto, o “Manifesto em Prol da Fotossíntese Humana”. Isso mesmo! Vamos todos, de agora para frente, fazer fotossíntese! Você já viu alguma árvore gorda? Eu não! Elas são belas e esbeltas, tal como todo mundo deveria ser. Além disso, elas renovam o ar em nossa volta, melhorando meio ambiente. E só precisam de luz! Não é uma maravilha? Nem é preciso comer! Basta a gente ir até a janela da casa ou do apartamento em que a gente mora, pôr as mãos na janela e deixar a luz entrar para iniciar o processo. Faça o teste, veja se dá certo. E depois me diga, tá? Vou ali comer uma coisinha e já volto.

14/11/2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A MÁQUINA DO TEMPO

Enquanto aguardava para ser atendido, em um Banco do qual sou correntista, deixei-me inebriar por uma espécie de tec – tec – tec cadenciado, que vinha do fundo do salão em que me encontrava. Procurei com a cabeça por todos os lados e, sem conseguir me conter, abordei um funcionário que ali passava. “Com licença, esse barulho não seria de uma”... “É isso mesmo que você está pensando. De uma máquina de escrever”. Fiquei pasmo: como alguém, em pleno século XXI poderia ainda fazer uso daquilo? “Existe um tipo de ficha que só dá pra ser preenchida à máquina!”, ele arrematou. Não me contive: levantei-me, estiquei o pescoço e vi, por de trás de um pilar, uma grande máquina elétrica e, manejando-a com destreza, uma funcionária, já avançada na idade, sem olhar para as teclas, fazendo jus ao seu ofício de “datilógrafa”.

Aquela máquina de escrever tornou-se, para mim, naquele instante, como uma verdadeira máquina do tempo! Lembrei-me da máquina de minha mãe, uma Olympia de cor preta que vinha em uma malinha azul, de estampas florais. Muito mais arcaica que a máquina daquele Banco, a typewritter, como estava escrito nela, tinha teclas duras e pesadas, além de uma inconfundível fitinha vermelha e preta, sobre a qual os tipos batiam, fazendo as letras aparecerem. Meus pais eram “craques” no manuseio, minha mãe principalmente, de tanto bater contrato, quando também trabalhou em Banco. Eu, no entanto, sempre fui curioso: “catava milho”, como se diz – e ainda cato até hoje! Foi naquela Olympia preta que “datilografei” meu primeiro escrito, uma peça de teatro que encenaria na 3ª série do primeiro grau, hoje, ensino fundamental. Boas lembranças...

Lembro-me também quando pus as mãos pela primeira vez em uma máquina de escrever elétrica, no antigo serviço do meu pai. Fiquei encantado com aquele aparato “supermoderno”, que só escrevia ao ligar um botão. A escrita era muito mais rápida e o resultado final bem mais limpo que o texto da velha Olympia. Os documentos saíam muito mais bonitos, com cara de oficiais. Era um avanço, mas não como quando a indústria de máquinas de escrever lançou, na época em que os personal computers começaram a se tornar coqueluche, um modelo semieletrônico, com um visor digital e uma escrita mais suave. Elas tinham até memória, podendo guardar textos e datilografar em um número maior de caracteres. A novidade, obviamente, não vingou: para que ter uma máquina eletrônica se o computador fazia tudo aquilo e muito mais? Era o fim da era das máquinas de escrever.

Confesso que não gostei do tal do computador, logo de cara... achei-o frio demais, seco demais. Minha geração foi a da transição entre o antigo e o moderno. Assisti ao fim não apenas da máquina de escrever, mas dos vinis, do telefone a disco... Sentia falta daquele tec – tec – tec... Claro, hoje, posso afirmar que, como qualquer jovem da minha geração, estou totalmente inserido na era digital. Escrevo este texto em um moderníssimo netbook que, daqui a pouco tempo, será também peça de museu. Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de que mesmo o passado pode ter muito a nos ensinar. Ver aquela datilógrafa defendendo seu ofício nos mostra o quão estúpidos somos ao jogar o velho no lixo e abraçar o novo, sem olhar para trás; mas, principalmente, que um dia, nós também seremos velhos e que uma próxima geração fará o mesmo que eu fiz, naquela breve viagem no tempo, proporcionada por uma simples máquina de escrever.



Anaximandro Amorim,

Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras,

Cadeira 40.

domingo, 17 de outubro de 2010

HERÓIS?

O mundo parou para assistir ao resgate dos 33 mineiros soterrados na mina de San José, no deserto do Atacama, no Chile. Vítimas de um acidente que obstruiu a saída da mina em que trabalhavam, no dia 5 de agosto deste ano, aqueles homens amargaram dois meses de forçada convivência em um exíguo espaço de 50m². Salvos por uma bem-sucedida operação de resgate, que terminou no dia 14 de outubro, por intermédio de uma sonda de sugestivo nome, “Fênix 2”, os mineiros renasceram para o mundo, barbeados, limpos, bem vestidos e cheios de ânimo. Nesses dois meses de confinamento, como em um verdadeiro Big Brother, descobrimos a história do mineiro que, há alguns anos sem falar com o pai, conseguiu, com a tragédia, a reconciliação de toda a família; ou daquele que, sem conhecer a filha, deu-lhe o nome de “Esperança”, numa alusão ao acampamento; ou do mulherengo que tinha uma mulher, uma amante... e até uma namorada! Tudo isso recheado de belos óculos escuros, que eles não podem tirar, sob pena de “quebra de contrato”, e de um “cachê” de US$ 10 mil para cada.

Fico me perguntando o que será desses 33 homens após os seus 15 minutos de fama... há quem queira se lançar na literatura; há promessas de filmes e até mesmo de games sobre a “aventura” desses heróis. Heróis? Só se for da resistência! Ninguém parou para se perguntar como foi a vida dessas pessoas, a 700m da superfície, sem ar respirável, sem água potável e sem a esperança de serem encontrados, de início? Aquilo ali poderia ter sido o túmulo de 33 enterrados vivos! O que me dá certo alento, além de vê-los sãos e salvos, é que vozes mais lúcidas tanto da mídia nacional quanto internacional começam a levantar a poeira desse acontecimento. Passada a euforia geral, o drama dos mineiros do Chile revela um lado obscuro da economia de um país que, até bem pouco tempo, pensava eu ter expurgado suas mazelas, a caminho do sonho do “primeiro mundo”: infelizmente, o trabalho perigoso nas minas chilenas é uma constante de décadas e o regulamento legal da profissão, de 1983, já é considerado por muitos uma peça de obsolescência, devendo ser revisto há tempos. Fora isso, a fiscalização é frágil e acidentes acontecem não sem certa frequência, deixando à mostra o flanco de uma das principais atividades daquele país.

A própria história da mineradora dos “33 de San José” corrobora essa versão: a San Esteban mostrou o despreparo com a segurança e, indo um pouco mais longe, com a integridade de seus empregados. Prestes a pedir falência, provavelmente, neste 23 próximo vindouro, a companhia pode dar às vítimas e suas famílias um “calote” de US$ 12 milhões, ao deixar de pagar as indenizações. Ademais, soma-se ao fato que a mina em questão havia sido fechada em 2007, numa explosão acidental que resultou na morte de um trabalhador, sendo reaberta um ano depois, para ser palco de mais outro acidente, dessa vez, sem vítimas fatais, felizmente. Em plena festa de resgate, no entanto, outro mineiro morreu, desta vez em outra mina, atingido por uma rocha, mas a grande mídia conferiu-lhe poucas linhas. Nada podia ofuscar a festa nacional, montada pelos correligionários do presidente Sebastián Piñera, que viu na tragédia a possibilidade de aumentar sua combalida popularidade.

Sinto dizer mas os mineiros do Chile não são heróis: são vítimas de um sistema que privilegia o lucro a todo custo, sem se importar com a dignidade da pessoa humana. Somam-se a eles os trabalhadores bóias-frias do Brasil; ou os das minas de diamantes da África; ou os trabalhadores asiáticos, que enfrentam jornadas de até 12 horas de trabalho ganhando menos de US$ 1,00 a hora, para inundar as gôndolas de nossos supermercados com produtos baratos, a despeito de nossa tão escorchante carga tributária. Infelizmente, os “33 de San José” não sofrerão de “estresse pós-traumático”, como a grande mídia apregoa, mas de falta de oportunidades, mesmo, pois, quando a fama for embora, grande parte, se não todos, voltarão para debaixo da terra. Que diria Franklin Lobos: 27º mineiro a ser resgatado, Lobos foi jogador profissional da seleção chilena nos anos 1980. Relegado ao ostracismo, despediu-se dos campos em 1995 para se tornar taxista e depois, mineiro. Entrevistado sobre o que faria após o acontecido, foi categórico: “vou voltar para a mina”.



Anaximandro Amorim

Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras

Cadeira 40

domingo, 19 de setembro de 2010

DISCURSO DE POSSE NA AEL (última parte)

Vivemos hodiernamente em um momento crucial não apenas para as artes em geral, mas, especialmente, para a Literatura. Na primeira década deste século que se deslinda diante de nosso olhos, termos como homepage, blog, orkut, facebook, twitter e tantos outros não são mais o futuro, mas sim o presente neste mundo da contemporaneidade, redefinindo, dentre tantas coisas, o papel do escritor e do livro. A “revolução virtual”, aliás, já se encontra ínsita na realidade dos grandes intelectuais. Qualquer autor, por menor que seja, possui, pelo menos, um perfil em uma rede social ou, até, uma homepage. O e-mail substituiu toda a correspondência epistolar enquanto editoras virtuais oferecem seus produtos num simples clicar de um mouse. O livro se reinventa, com os tão polêmicos e-books, cada vez mais presentes no mundo desenvolvido e ainda novidade no mundo em desenvolvimento, levantando a polêmica do futuro desse meio de comunicação. E tudo se reinventa neste admirável “mundo do efêmero”, em que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”.

É neste contexto que um jovem escritor toma assento em uma tradicional Academia de Letras...

A inovação é uma das marcas da Literatura produzida no Espírito Santo, apesar de ser uma das mais antigas produzidas em nosso país, iniciando sua fase Brasil pelas mãos do padre José de Anchieta, espanhol radicado em nosso país e, sobretudo, um amante das terras capixabas, pioneiro no estudo e sistematização da língua tupi-guarani. Nossa literatura também tem destaque com nomes de vanguardistas como Haydée Nicolussi, Mendes Fradique, Renato Pacheco, Xerxes Gusmão Neto, Audífax Amorim, Amylton de Almeida, Carmélia Maria de Souza e tantos outros que imprimiram a marca da diversidade cultural capixaba, nossa característica, nossa identidade, que transformaram o Espírito Santo nesse verdadeiro “Albergue dos Querubins”, como no livro de Adilson Vilaça.

Não poderia ser diferente com a Academia Espírito-Santense de Letras. Criada em 4 de setembro de 1921 por Alarico de Freitas, Sezefredo Garcia de Rezende, Elpídio Pimentel, Dom Benedito Paulo Alves de Souza e Thiers Velloso, ela já trazia no gérmen de sua criação a marca da modernidade – a juventude de alguns dos seus membros-fundadores. Ainda que inspirada no clássico modelo da Académie Française, de quarenta cadeiras que levam o nome de grandes vultos da história espírito-santense, os patronos, a Academia Espírito-Santense de Letras sempre tentou aliar a tradição à modernidade, o passado ao futuro, ao acolher a Academia Espírito-Santense dos Novos, nos anos 1930, ao acolher a Academia Jovem Espírito-Santense de Letras, no século XXI, ao firmar convênios com entidades culturais, ao resgatar a memória da litertura de nosso Estado para as futuras gerações, num labor mantido ao longo desses quase 90 anos de história!

A minha entrada nesta arcádia constitui-se, portanto, em mais um desdobramento desse vanguardismo. Apaixonado por Literatura desde a tenra idade, mas, sobretudo, por literatura capixaba, entristeço-me ao saber que, por exemplo, já nos idos de 1982, o professor José Augusto de Carvalho escrevia na “Revista de Cultura da Ufes” que a literatura capixaba não existia, vegetava. É por isso que ofereço, aqui, meus braços para ajudar em tão nobre causa. Sei que sou apenas um jovem escritor, idealista, apaixonado, mas assumo aqui, perante os meus pares, perante as senhoras e senhores, o meu compromisso em não apenas continuar este legado, mas o de honrar a instituição da qual passo a fazer parte oferecendo a minha militância de tantos anos nas trincheiras das Letras de nosso Estado, começada precocemente, ainda na minha adolescência.

Enquanto acadêmico, quero de ser o arauto dessa nova era, trazendo a novidade para o seio de nossa instituição. Comprazo-me em ver a Academia inserida nessas novas mídias às quais me referi, como o twitter, como o facebook, mas precisamos de mais! Sei que temos muito o que fazer, mas os meios estão todos aí, em nossas mãos. Precisamos de uma homepage, precisamos nos utilizar de todas as ferramentas de que dispomos para continuar o diálogo entre nossa instituição e a sociedade. Esta é a prova, aliás, de que não vivemos ensimesmados, mas atuantes, como uma instituição de fomento à cultura do Livro, tal como descrito, aliás, em nossas disposições estatutárias, tal como brilhantemente legado pela diretoria que se vai àquela que começará, certamente, com muita competência.

Enquanto capixaba, gostaria de fazer dessas singelas palavras um manifesto em prol da nossa Literatura. Precisamos nos unir, mais do que urgentemente, em torno da beleza de nossas Letras. Somos a mistura de raças, somos a beleza do congo, dos pomeranos, dos italianos, dos indígenas; das violas e das concertinas; dos quilombos e das tarantelas; dos versos de Elisa Lucinda, de Geir Campos; das crônicas de Rubem Braga, só para citar aqueles que conseguiram furar o cerco e levar a beleza desse Estado chamado Espírito Santo para fora de nossas fronteiras. Assim, espero eu estar vivo para poder ver a profecia de Francisco Aurélio Ribeiro se concretizar, quando, no livro “A Literatura do Espírito Santo – ensaio, história e crítica”, ele disse “Nós aqui somos bons; temos a vantagem de esbanjar talentos até com amor às letras. Temos, agora, literatura. Boa brasilidade é conhecer, também, o que fazemos aqui”.

Encerro minha fala sem poder deixar de agradecer. Gostaria de começar pelos meus pais. Quem, sem o aplauso doméstico, poderia ir além? Quem, sem as mãos delicadas da mãe ou as mãos firmes do pai, poderia aprender a passar as páginas de um livro ou segurar um lápis ou uma caneta? Devo muito a vocês, papai e mamãe, que me passaram o gosto pelo Livro, numa amostra de que são vocês, pais, os primeiros e os mais importantes educadores. Do meu pai, herdei a cultura jurídica, o meu ofício de advogado; da minha mãe, o gosto pelo magistério. Tive a sorte de tê-los, ainda hoje, como meus maiores professores e inspiradores. Tenho orgulho disso. Tenho muito orgulho de vocês.

Gostaria de agradecer aos meus professores e professoras, tão importantes na continuidade da minha formação. Tenho orgulho de ser também um de vocês, mas também tenho orgulho de lecionar nesta casa chamada Aliança Francesa de Vitória, a qual considero minha segunda casa, ma deuxième maison, dirigida pela figura da professora Darcília Moysés e cuja presidência é detida pelo Dr. Samuel Malheiros. Merci à vous, merci de m’avoir parmi vous. Merci de toutes ces années.

Gostaria de agradecer aos meus colegas acadêmicos, aos votos de confiança que ganhei de todos. Assumi um compromisso, por meio de uma carta que escrevi a todos, de doar-me a esta instituição. Reforço-o aqui, nesta noite, em que sou rebatizado com um dos seus e fazer parte deste tão honroso panteão!

Gostaria de agradecer aos amigos e familiares pelo apoio de sempre, mas, sobretudo pelos laços de amor, combustível sem o qual pena alguma se moveria em meio a uma página em branco.

Mas principalmente, gostaria de fazer um agradecimento especial a Deus Nosso Senhor. Vítima de um acidente gravíssimo, há um ano, no dia 7 de setembro de 2009, encontro-me aqui apenas e tão-somente por causa d’Ele. Desci aos pélagos mais profundos, conheci a “mansão dos mortos”, mas ressuscitei, por meu turno, não no terceiro dia, mas no terceiro mês, com a graça do Pai, que me proporcionou essa dádiva para que eu pudesse escrever o meu singelo “A História de um Sobrevivente”, cujo lançamento faço hoje. Encho-me de júbilo, pois sei que doravante fecho um ciclo para abrir outro. A partir de hoje, Deus, que me tirou dos braços da morte, coloca-me de mãos dadas com a Imortalidade!

Muito obrigado.



O livro "A História de um Sobrevivente" -  bem como os outros livros da minha bibliografia - pode ser adquirido na rede de livraria Logos da Grande Vitória/ES e, em breve, pelo site da mesma livraria.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A HISTÓRIA DE UM SOBREVIVENTE

O texto abaixo é o prólogo do meu novo livro, intitulado "A História de um Sobrevivente". O Prefácio é do delegado Fabiano Contarato, ex-titular da Delegacia de Delitos de Trânsito, no Estado do Espírito Santo. A obra estará a venda a partir do dia 18 de setembro na livraria Logus da Praia do Suá, Vitória/ES.


PRÓLOGO

É muito engraçada essa vida, não é? Digo isso porque jamais nos preocupamos com as vicissitudes até quando elas nos aparecem. Em geral, pensamos que o que há de ruim acontece com os outros, mas nunca conosco. Lemos os noticiários, vemos as tragédias cotidianas mas pensamos ser imunes a todas elas. Até que a vida vem e prega uma peça em cada um de nós. Pelo menos, foi isso o que aconteceu comigo...

Tudo aconteceu antes do meu aniversário de 31 anos, no segundo semestre do ano de 2009. Não fazia tanto tempo, havia conquistado minha independência financeira; fazia Mestrado, dava aulas e estava realizado tanto profissionalmente quanto pessoalmente; tinha sido aprovado em concursos públicos; com tanta coisa boa me acontecendo, o que de ruim poderia suceder?

A minha sorte mudou radicalmente no dia 7 de setembro de 2009. Jamais esquecerei desse dia. Era feriado cívico nacional, que seria emendado com o dia seguinte, dedicado à cidade de Vitória; teríamos, assim, dois dias de descanso, que eu, como bom capixaba, curtiria na praia, fazendo a minha corrida usual. Estava feliz com os feriados e tinha planos de descansar em casa e fazer algumas atividades físicas. Nunca gostei de ficar parado!

Ainda me lembro de ter dito ao meu pai “tchau, vou correr na praia” e pegar o meu boné e o protetor solar; havia marcado com um amigo, para fazermos exercícios juntos, mas, no meio do caminho, resolvemos mudar de ideia e fazer uma viagem curta, naquele mesmo dia, para curtir seu o carro novo. Foi o nosso grande erro...

Chegamos até o centro da cidade de Vitória; em princípio, queríamos ir até Domingos Martins, uma bela cidade que fica uma hora e meia da capital, nas Serras Capixabas; precisaríamos passar pelo Centro para tanto, mas logo desistimos: a parada cívica havia tornado o trânsito um inferno, em pelo feriado, e nós ficamos parados num enorme engarrafamento, para nosso aborrecimento.

Foi quando tive a ideia de cortarmos caminho e irmos para Santa Tereza, outra bela cidade de interior capixaba, de colonização italiana, que ficava, por seu turno, do outro lado do nosso itinerário, na BR 101 Norte. Meu amigo, então, mudou de direção e fomos para um caminho inverso do que fazíamos; tudo corria tão bem desta vez que decidi que ligaria para minha família, para dizer que não almoçaria em casa, quando lá chegasse. Afinal, quem é que pensa se tornar vítima de um acidente automobilístico?

Deixamos Vitória, chegamos ao município de Serra e logo estaríamos em Fundão, duas cidades da região metropolitana da capital, de onde tomaríamos a estrada rumo à Santa Tereza, a partir do trevo de Timbuí, distrito de Fundão. O dia estava perfeito: fazia sol, ouvíamos música, estávamos nos divertindo. Nada poderia dar errado. Nada.

Foi quando, no quilômetro 239 da BR 101 Norte, a única coisa que eu consegui dizer foi “joga para o acostamento”, mas meu amigo, creio, não escutou. E daí mais nada. Eram duas pistas para ir e uma para voltar, sem acostamento e com dois barrancos de cada lado. Um carro prata invadiu a nossa faixa. Ainda me lembro de vê-lo se aproximando com tudo na minha frente, e eu, impotente, esperando o choque, além de ouvir o barulho dos pneus cantando e depois um grande estrondo. E mais nada. Só o vazio. E uma imensa escuridão. Só.

E, a partir desse momento, começa a minha história. A história de um sobrevivente.

domingo, 29 de agosto de 2010

NÃO SEI... SÓ SEI QUE FOI ASSIM

Mitomania. Do grego, compulsão para inventar histórias. O chamado “mitômano”, isto é, aquele que sofre desse mal, não é exatamente um mentiroso, mas alguém de mente fértil, capaz de criar cenários e, pior, acreditar neles. Dizem que o escritor e pensador francês André Malraux era um deles e que muitas de suas aventuras não passavam de meras “cascatas”. Deve ser coisa de escritor, mesmo, porque Ariano Suassuna nos presenteou com Chicó e João Grilo, personagens do festejado “O Auto da Compadecida” com seu clássico bordão “não sei... só sei que foi assim!” O problema é quando a mitomania extrapola a fronteira da ficção e cai no mundo real. É o que acontece com uma amiga da família, “figuraça” de marca maior e que, um dia desses, me saiu com uma história que faria até Suassuna ficar de cabelo em pé!

Diz ela que meu avô, amigo dela, tinha mania de “matar” as pessoas. Não, não era matar de morte matada, era na imaginação mesmo. O velho, que já andava meio pra lá de Bagdá, vivia criando obituários na cabeça. Era só deixar de ver um amigo e pronto: o infeliz tinha batido as botas, certamente! Foi assim com um deles, “desaparecido” há muito tempo e que, com certeza, já devia estar na “cidade dos pés juntos”. Com medo de a coisa ser verdade e sem ter ninguém melhor para averiguar o fato, vovô cometeu outro equívoco: mandar essa amiga mitômana “suntar” na casa da “viúva” e saber se o amigo tinha virado “inquilino do subsolo”, mesmo, ou não.

A amiga chegou à casa da “viúva” meio ressabiada, com aquele monte de “não-me-toques” de quem acabou de “sair de um enterro”. Foi se achegando de mansinho, sentando no sofá e, com ar constrito, as mãos dadas à da “mulher do morto”, começou a tecer o discurso padrão: “é mesmo, Dona Fulana, eu sei que é meio difícil, mas a gente se conforma, eu também perdi um marido muito cedo...” sem sequer perceber o ar de interrogação da mulher e a presença do “falecido”, que chegou da rua e gritou à esposa, bem alto: “cadê meu pijama que eu quero dormir?”. Como no interior morto usa mesmo é “mortalha”, a amiga, desesperada, concluiu que o falecido tinha voltado do Além. Desfez-se da mão da mulher e, sem pensar duas vezes, pulou a mesa de centro da sala e pôs-se até o quintal. Aí, imbuída do melhor espírito olímpico, tomou distância e, num pique só, pulou um muro de quase dois metros, sem o menor esforço, chegando desesperada à casa do velho, pedindo a vovô pelo amor de Deus um copo d’água porque o falecido tinha voltado!

Não dá pra saber se essa história é verdadeira ou não. De tanto “matar” os outros, vovô acabou morrendo primeiro – e, dessa vez, de verdade, porque eu estava lá no enterro e vi. Ficou só a palavra da amiga, que jura pela alma do velho que tudo isso foi verdade. De fato, com adrenalina a gente faz coisas que até Deus duvida, mas, sei lá... será que um simples “fantasminha” faria uma mulher fora de forma correr e pular tanto assim? Tenho cá minhas dúvidas, mas, convenhamos, até eu, como escritor, tenho minha parcela de mitômano. Em todo caso, só vovô mesmo pra confirmar e, apesar de gostar muito dele, de fantasma, tô fora! Se é verdade ou não, deixa isso pra lá. É como diria Chicó: não sei... só sei que foi assim!

29 de agosto de 2010


Anaximandro Amorim
Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras
Cadeira 40

domingo, 15 de agosto de 2010

O TREM DE MINAS

Reza a lenda que Minas Gerais queria tomar para si o Espírito Santo. Talvez seja porque lhes falta água salgada ou por qualquer outro motivo que desconheço. Só se for! O fato é que todo mundo aqui tinha medo de um tal trem que chegaria apinhado de mineiros, armados até os dentes, e que tomaria de assalto o Estado, realizando a tão temível anexação. Para os dias de hoje, uma história como essa é, no mínimo, risível: como um grupo de pessoas, dentro de um trem de ferro, poderia causar tamanho “estrago”? Mas, numa época em que não havia tanta violência, nem tantas armas, nem Orkut, nem Facebook e nem Twitter, havia quem acreditasse piamente que a coisa pudesse acontecer. Inclusive na minha família...

Meu bisavô vivia em uma casa muito grande no município de Fundão, hoje parte da Região Metropolitana de Vitória, mas, naquela época, um típico “fim-de-mundo”. Viúvo, pai de nove filhos e deficiente físico, ele morava com a parentada, que se revezava na “lida” e ficava de sentinela para afugentar quem quer que fosse. O Estado poderia até ser tomado, mas Fundão não seria! E todos, parentes e amigos estavam armados até os dentes. Acontece, no entanto, que, em qualquer lugar, sempre há os incrédulos de plantão – e na minha família não poderia ser diferente. Eles eram meus tios-avôs Tassiano, Orly e Mário. Cansados de ouvir a mesma arenga sobre o tal “trem de Minas”, eles resolveram botar em prática um plano: havia um bambuzal perto da casa em que eles moravam que, se aquecido, produziria um fogo considerável. No mais, dizem que bambu estala enquanto queima, o que causaria um ruído muito parecido com tiros de pistola. Seria perfeito para simular um falso “ataque” e, literalmente, ver a coisa toda “pegar fogo”.

Foi em uma noite de lua cheia, enquanto todos se reuniam na frente do casarão para contar os “causos” que os três moleques, sorrateiramente, correram até o local com uma lata de querosene roubada da cozinha e algo para combustão. Puseram fogo no primeiro bambu que acharam pela frente. Foi o necessário para um estalo bem dado, que fez alguém arregalar os olhos e gritar: “os mineiros chegaram”! Todos correram, inclusive meus três tios-avôs, mas para bem longe, para ver a “bravura” daqueles homens: houve quem desse trombada no outro, quem desmaiasse, quem ficasse preso no arame da cerca e quem se pusesse a rezar, encomendando a alma ao primeiro anjo da guarda que aparecesse. Os mais “corajosos” ainda conseguiram pegar uma arma qualquer e dar uns tiros para cima, na tentativa de “afugentar algum mineiro”. E meus tios, do alto de suas adolescências, riam alto, escondidos em um lugar bem seguro, pois eles sabiam que a farsa seria desmascarada em breve e que a sova seria daquelas – mas que valeria à pena, só para ver aquele negócio de “trem de Minas” acabar de uma vez por todas!

O tempo passou e o tal “trem de Minas” jamais aconteceu. Aliás, o único “trem” de Minas que eu conheço é como eles chamam a palavra “coisa” e “coisa” é o nome do “trem” por lá. Há o trem que liga Vitória a Minas, bonito e com um passeio muito bucólico por sinal, o que causou inverso do que meus parentes temiam: a invasão capixaba em Minas. E há também a autêntica “invasão dos mineiros”, mas sempre nos verões: tem mineiro que conhece mais o nosso litoral do que muito capixaba! Outros, por seu turno, preferem outra forma de “invasão”, desta vez, mais inteligente: acabam se fixando por aqui. Eu mesmo me considero um “mineirixaba”: nascido em solo Espírito-Santense, mas filho e neto de mineiras. Afinal, quem nesse Estado não gosta de uma moqueca e um belo pão-de-queijo? Tem até um refrigerante 100% capixaba que se chama “Uai”. Tudo isso só mostra o óbvio: que não é necessário tomar de assalto o Espírito Santo, pois a gente acolhe todo mundo. Afinal, “trem bão” a gente só encontra aqui, sô!

15 de agosto de 2010.

Anaximandro Amorim,
Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras
(cadeira 40)

domingo, 8 de agosto de 2010

ASSIM NASCE UMA FAVELA

O município de Serra/ES é um dos que mais crescem na Grande Vitória, se não o mais! Digo isso porque leciono Direito em uma faculdade ali situada e, sem medo de exagerar, toda semana me deparo com um novo empreendimento sendo lançado ou em vias de. Às margens da Avenida Talma Ribeiro, onde fica a minha faculdade, não poderia ser diferente: um enorme condomínio de residências de altíssimo luxo, no melhor estilo Alphaville, está sendo erguido também. Só o portão de entrada é um espetáculo à parte, com capitéis jônicos, arcos e tudo o que manda o requinte. O que, ao que parece, ninguém observou, é que um outro tipo de “empreendimento” está nascendo exatamente ao lado! Lenta e imperceptivelmente...


Dei-me conta disso ao passar pela avenida à noite. Chovia muito e eu rodava com mais cautela, sem ligar se chegaria atrasado para a primeira aula. Não havia reparado até então, mas percebi que havia uma luz no meio do matagal que margeia um dos lados da pista. Reduzi obrigatoriamente para galgar um quebra-molas quando, surpreendentemente, vi que uma moradia havia sido erigida ali mesmo, no local de onde vinha a tal luz. Não pude acreditar! Como alguém conseguiria erguer uma vivenda, por pior que fosse, em meio a um local aparentemente tão inóspito, sem dispor dos recursos de uma grande construtora? Como isso seria possível?

Esperei um dia sem chuva e tive a minha confirmação: o engenho humano não conhece limites, nem para cima - e nem para baixo e alguém, à sua maneira e com os materiais que possuía em mãos, apressou-se ao lançamento do empreendimento ao lado e construiu uma “casa”. Melhor dizendo: um verdadeiro barraco, feito com restos de madeiras, paus e até luz elétrica, o famoso “gato”, certamente puxado dos vizinhos abastados do lado. Está tudo ali: porta, janela, um teto e até, quem diria, vista para a avenida, pela frente, e para a mata, aos fundos, além de uma vizinhança que, certamente, não deixa de ser um referencial. Com tantos “atributos”, não me espantei quando outra “residência” foi erguida, talvez uns cem ou cinquenta metros adiante, menos de um mês depois, com as mesmas características que a anterior.

Não quero, aqui, parecer elitista. Não tenho nada contra barracos ou favelas. São lugares com gente honesta, que apenas sonha em ter o mesmo que qualquer pessoa de bem: uma casa. Só me intriga por que a municipalidade já não fez alguma coisa para tirar essas famílias de lá e prover verdadeiramente dignidade a elas. O que está acontecendo às margens da Talma Ribeiro é só o começo de algo que já aconteceu com Feu Rosa, bairro vizinho: abandonados pelo poder público, os chamados “excluídos” procuram rincões cada vez mais distantes que se tornam verdadeiros depósitos de famílias desestruturadas, acarretando, no futuro, os clássicos problemas dos subúrbios brasileiros: violência, drogas, prostituição e tantos outros, frutos do descontrole populacional e da inércia do Poder Público.

Os “barracos da Talma”, como resolvi chamar, demonstram, dentre tantas coisas, o contraste dos dois Brasis dos quais já falei em outra crônica: de um lado, o embrião de um novo bolsão de pobreza e, do outro, o luxo e o requinte de um condomínio de mansões de gente que, certamente, pagará um peço mais alto do que seus imóveis para manter de pé aquele Brasil em que tudo funciona. Não me admirará quando o terceiro barraco for erguido, e o quarto, e o quinto, assim sucessivamente. Assim nasce um empreendimento de luxo. Assim nasce uma favela.



02 de agosto de 2010

Anaximandro Amorim,

Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras

(Cadeira 40)