domingo, 30 de janeiro de 2011

PARA QUE SERVEM OS CLASSIFICADOS?

Responda rápido, caríssimo leitor: para que servem os classificados? Pois é, se você respondeu que eles servem para comprar e vender,  sinto muito, você está enganado. Quer dizer, meio enganado, porque, além disso, eles têm outras funções. Não acredita? Eu também não acreditava. Até que, um belo dia, percebi um amigo folheando o jornal pelos anúncios. Espantei-me. Perguntei: “você começa a ler o jornal daí?” e ele me assentiu,  dizendo que adorava lê-los, como se fossem romance, e que, por lê-los assim, já havia descoberto várias possibilidades. Infelizmente, não tive tempo de perguntar-lhe quais eram; fui forçado a passar o dia pensando o que mais os classificados poderiam me oferecer... sempre gostei de ler as crônicas, as notícias de economia, política internacional... mas os anúncios? O que de mais eles poderiam conter?

Foi quando resolvi descobrir por mim mesmo as tais “possibilidades”. De fato, acho que, com um pouco de esforço e boa vontade consegui descobrir algumas. A primeira é a mais prosaica de todas: servir de “tapete” para gaiola de passarinho. Não tem coisa melhor que classificado: eles usam muito mais tinta preta do que o resto do jornal, absorvendo melhor a titica das aves. Além disso, é mais respeitoso: imagina só colocar debaixo dos bichos a foto de um Chefe de Estado, ou de uma celebridade, ainda que de BBB? Despendendo da pessoa, é muita falta de consideração; dependendo da outra, vira vingança, mesmo.

Descobri também que os classificados também servem de curso de idioma. Duvida? Então, tente entender isso: ar, vid, dir, te. Latim? Sânscrito? Grego? Não... carro mesmo: ar, vidro, direção e travas elétricas. Faço ideia que tipo de carro é esse... para se escrever tão abreviadamente, deve ser um Ford Ka ou um Fiat Uno. Ah, mas você pensa que acabou? Tem também isso: qua, sal, coz, dep com. Isso é casa... ou talvez uma quitinete, de tão pequeno que o negócio ficou... Fora coisas como s t ou s m que são, respectivamente, sol da tarde ou sol da manhã. Óbvio, ainda prefiro o bom e velho português. Imagina sair à rua dizendo “Vdo car complt, c trav, vid, ar, dir”... alguém iria entender? Se nem nos próprios classificados a gente consegue... até hoje não compreendi gr px. Tá pior que plutonelia...

Há, porém, um lado místico neles... esses dias vi tanta oração sendo publicada que acho que o céu já contratou estagiários para acompanhar o jornal. E tome santo: Santo Expedito, das causas urgentes, Santa Luzia, dos olhos doentes; Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, intercessora das graças, São Galvão, primeiro santo genuinamente brasileiro, São Judas Tadeu e por aí vai... Tudo pela graça alcançada. Mas também há o lado triste: os anúncios de falecimento. É missa de sétimo dia, um ano, dois, cinco... tenho, aliás, uma história com isso. Uma não, duas: fiquei sabendo do falecimento de uma amiga que não via há muito tempo, pelo anúncio da missa de sétimo dia; um outro amigo também, o que significa que a gente sempre deve frequentar quem a gente gosta, antes que seja tarde demais...

Há também o lado cômico. Um humorista conhecido meu descobriu a seguinte “pérola da língua portuguesa”: Fulana, linda – a partir das 18 horas. Imagina só como ela deve ser antes desse horário? Eu é que não queria saber! Uma vez, vi um de um sujeito que queria selecionar meninas para pousar nuas. Literalmente: ele só queria “avião”! Aliás, esses anúncios de “acompanhantes” são os mais engraçados. Não, amigo leitor, não se preocupe, não vou publicar nada aqui nesta crônica. Sequer me atreveria! Mas fico daqui só imaginando com que cara o cidadão (ou cidadã) chega num balcão de classificados para oferecer, digamos, os “dotes”... mesmo por telefone, ainda que você não veja quem está do outro lado, tem que ter muita disposição. Deve render uns bons trocados, porque tem páginas só disso. Haja coragem!

Classificados também têm seu lado de utilidade pública – e aí, concurseiros e concurseiras de plantão, vai a minha dica: muitas prefeituras e até algumas Unidades Federativas publicam seus atos em jornais de grande circulação. Portanto, se você passou em algum concurso recentemente, fique de olho: já soube de gente que perdeu a vaga por não ter acompanhado direito os jornais. Fora os anúncios de cursinhos preparatórios, para todos os tipos, gostos e bolsos. Só não passa num concurso quem não quiser estudar! A propósito, os já concursados também devem ficar ligados: quem sabe aquelas férias ou até mesmo aquela aposentadoria já não saíram e você não sabe?

Enfim, após de todas essas elucubrações, fui atrás desse amigo, dias depois, para saber quais eram essas tais “possibilidades” e ele me contou uma história interessantíssima: formado em administração de empresas, ele sempre acompanhou os anúncios para saber como anda o mercado. Foi quando, um dia, descobriu um gap e correu atrás da oportunidade, comprando uma loja de roupas e acessórios femininos numa das regiões mais nobres de Vitória. O negócio deu tão certo que ele e a noiva estão cheios de planos. Simples e objetivo, como tem de ser no mundo dos negócios. E eu que fiquei imaginando coisas do arco da velha! Talvez seja essa, aliás, a grande diferença entre escritores e empreendedores: nós sonhamos, eles transformam em realidade. Bom seria se desse para unir os dois em um só. Só sei que, de agora pra frente, uma coisa eu prometo: vou começar a ler os classificados com outros olhos. Ah, se vou!

Crônica publicada na revista "Direito e Atualidade", ano I, 4ª edição, maio de 2011, página 8.

domingo, 16 de janeiro de 2011

PLUTONELIA

Esses dias, na homilia, o padre, um tanto casmurro com jovens, disparou: esses moços e moças que ficam se perdendo, se entregando às festas, à bebida, ao cigarro, essas “plutonelias”. De início, achei que tivesse ouvido errado. Apurei os ouvidos e, continuando o sermão, o vigário repetiu a dose: são essas “plutonelias”... Percebi que todos se entreolharam atônitos, mas, sem dar o braço a torcer, riram junto com o padre, acompanhando-o no sermão e se indagando sobre o que diabos seria “plutonelia”? Pois é... também não fazia a mínima ideia...

Só sei que esse negócio de falar difícil é difícil mesmo. O problema é que, no afã de querer buscar alguma erudição, há quem se aventure em tentar tirar alguma coisa do fundo do baú. É aí que as distorções começam... anda, vira e mexe, a gente se depara com aquelas “pérolas do Enem”, como, por exemplo, “as primeiras damas são sempre mulheres” ou “isso se dá em países diferentes, como São Paulo e Rio”. Pior ainda é quando o cidadão resolve pôr a imaginação para funcionar! Cheguei a fazer aula de canto, e tive um colega, barítono de primeira, que improvisou: ele fez isso no “aulôr” do seu amor. O som saiu bonito, mas, indagado sobre o que era “aulôr”, o colega deu a clássica resposta: “não sei”. Nem eu... só sei que, dali pra frente, ele virou o “Aulôr” da turma. Até hoje, nem me lembro do verdadeiro nome dele!

Mas o maior inventor de palavras da atualidade é, sem dúvida, “Carro Velho, o Rei do Elogio”! “Hit” do sítio Youtube, “Carro Velho” é o apelido de Carlos Nascimento, vigia da prefeitura de Quixeramobim, no Ceará. Conhecido por seus “discursos elogiosos”, ele ganhou espaço ao se apresentar em um programa da “Rádio 104”, uma rádio comunitária de sua cidade. E ele gosta de “falar bonito”: em elogio ao locutor Carlos Elói, Nascimento soltou, em uma frase só, os adjetivos “mediocrático”, “retombante” e “cabriocárica”. E continuou dizendo que o amigo era “inoxidável”, “estrambólico”, “rélpis” e “batráquio”. É obvio que sua peroração valeu uma apresentação no quadro “Me Leva Brasil”, do Maurício Kubrusly, no Fantástico da Rede Globo e até uma propaganda de uma casa de forró, de “alta tecnologia ortofélica”. Um espetáculo!

Mas, certamente, o maior inventor de palavras da literatura brasileira é o escritor mineiro e imortal da ABL Guimarães Rosa (1908 – 1967). Em conversa com minha amiga acadêmica, a escritora Jô Drumond, uma das maiores autoridades na obra Roseana do Brasil, ela disse que um sem-número de termos foram revitalizados pelo autor, tais como “tutameia”, “mentecapto” e “estorvo”. Outro sem número saiu de sua lavra, como “protitutriz” (prostituta + meretriz) ou “moimechego” (moi, do francês + me, do português + ich, do alemão + ego). Pena que muitos “escritores”, com aspas mesmo, resolveram fingir seguir na escola de Rosa, o que rendeu obras de um artificialismo entediante. A exceção, claro, é minha amiga Jô que, com sua sensibilidade e talento ímpar, escreveu e publicou uma tese sobre o imortal mineiro, “As Dobras do Sertão”, de leitura obrigatória, e a belíssima crônica “Briquitando com as Palavras”, de seu outro livro, “Tearte”.

Falando em “briquitar com as palavras”, um grande poeta daqui do Espírito Santo, Paulo Sodré, lançou um livro com o nome “Lhecídio, gravuras de Sherazade na penúltima noite”, belíssimo por sinal. Seria uma espécie de “Suicídio do outro”, ou algo assim. Mas o mais criativo foi meu amigo e também acadêmico “Samuel Duarte”, que me sai com o “Incalistrado”. Trata-se de um excelente dicionário de topônimos capixabas de origem tupi, uma pesquisa de fôlego, em que muitos mitos caem por terra. O maior deles é o nome do município capixaba de Guaçuí que, segundo Duarte, não é “Rio do Veado”, como se pensa, uma vez que o Tupi da costa capixaba não registra palavra para o cervo. Assim, Guaçuí chegaria mais próximo de guassu-y que significaria “Rio Grande”. Melhor para o pessoal de lá... ah, a propósito, você está se perguntando: o que significa “Incalistrado”? Sinto muito, não posso dizer, senão retiro a graça do livro! Fica a dica de leitura.

Mas, retornando à “plutonelia”: pois é, depois do espanto, resolvi, já em casa, consultar meu amigo Aurélio. Nada. Daí, resolvi apelar para meu amigo Houaiss, sempre maior e mais completo. Outra decepção. O máximo que consegui foi “plutoniano”, relativo ao deus Plutão ou ao planeta do mesmo nome. Há também o prefixo “pluto”, que tem a ver com “riqueza” (e nenhuma relação com Walt Disney). Mas nada de “plutonelia”. Então, já que se tratava de um padre, resolvi apelar para “São Google, o santo dos pesquisadores desesperados”; nem se eu fizesse novena: só encontro “Plutônia”, romance de ficção científica do russo Vladmir A. Obruchev (1863 – 1956), sobre uma viagem ao centro da Terra. O que significa “plutonelia”? Não sei! Não sei se é invencionice do vigário ou se é tão raro que nem está nos dicionários. Assim, faço um apelo: se você que está lendo este texto souber o que significa “plutonelia”, entre em contato comigo. Ajude um escritor a encontrar argumentos para uma próxima crônica. Muito obrigado.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A TERCEIRA PONTE E EU

Nasci em 1978. A Terceira Ponte também. Naquela época, Vitória não deveria ter por volta de umas duzentas mil almas. No entanto, o ar de província bucólica e pacata já começava a mudar e há muito se estudava uma terceira saída para o continente. A parte norte da cidade ainda era meio agreste, lá pelos idos de 1980 e o lugar onde está o Shopping Vitória era um imenso areal chamado “Aterro da Condusa”. De vez em quando, ele era palco de algum evento. Lembro-me de “Eva, a mulher gigante”, uma réplica de um ser vivo em que podíamos entrar para conhecer todos os órgãos do corpo humano. É óbvio que eu não consegui: a fila estava gigantesca, de um ponto a outro do aterro. Mas foi ali, pela primeira vez, que tomei conhecimento daquela ponte que cresceria comigo.

Antigamente, Vitória contava apenas com duas grandes pontes: a chamada “Ponte Florentino Avidos”, ou “Cinco Pontes”, a primeira a ligar a ilha ao continente, construída em 1928, um avanço para a época, e a “Segunda Ponte”, de 1979, que ligou Vila Velha e Cariacica ao miolo da capital. Antes delas, atravessar a baía, só de catraia. Para uma capital que tinha pretensões de ser grande, duas pontes eram pouco. Assim, foi no governo Élcio Álvares que o primeiro pilar da futura “Ponte Darcy Castello de Mendonça”, nome de um radialista e deputado estadual que as novas gerações desconhecem e de que as antigas sequer se lembram, foi concretado.

O problema é que ela demorou muito a sair. Falta de verbas. Os primeiros pilares, fincados em terra firme, custaram a se multiplicar, no que o povo capixaba batizou o embrião de ponte de “A Ponte do Gato”, porque, todo mundo sabe, os bichanos odeiam entrar na água... Entrava governo, saía governo, e nada. A ponte virou até bandeira política – tinha candidato que prometia sua conclusão. E a coisa quase aconteceu, pois, anos mais tarde, foram construídos alguns dos pilares que avançavam sobre as águas – e aí, a “Ponte do Gato” virou “Ponte do Pato”, porque, por bastante tempo, a Terceira Ponte ficou parada ali, como um patinho na lagoa...

Em 1987, uma acirrada disputa ao Governo do Estado tinha como bandeira a conclusão da obra, opondo, de um lado, Max de Freitas Mauro e, do outro, Élcio Álvares, numa campanha que ficou marcada pelo slogan “Volta Élcio”. Eu tinha 9 anos. A Ponte também. Lembro-me que o ex-governador queria concluir o que começara. Não conseguiu e ficou a cargo de Max o término. Era uma questão de honra para o Espírito Santo e até um passeio com a população foi feito, terminando do lado de cá da ponte. Do lado de lá, Vila Velha. No meio, um vazio a ser preenchido. E no entorno, obras e muitas obras. E eu via, pela primeira vez, a ponte tomar forma e brincar com o meu imaginário. Lembro-me que ela era um dos nossos assuntos preferidos.

Foi quando, finalmente, a peça final daquele quebra-cabeças seria encaixada. Com 70 metros de altura, um imenso vão de ferro, vindo de barcaça e içado por poderosos guindastes deu remate àquele que seria o mais novo cartão-postal da cidade de Vitória e do Estado do Espírito Santo. Era o segundo maior do Brasil e notícia até na mídia nacional! Um marco da modernidade e da prosperidade, fazendo com que o Espírito Santo, finalmente, entrasse na rota do desenvolvimento e com que eu, então um menino, quisesse me tornar engenheiro ou arquiteto, o que nunca aconteceu... Tempos mais tarde, o vão virou matéria de novo, quando uma destemida repórter de um canal local mostrou como ele era por dentro!

A Terceira Ponte foi finalmente entregue ao povo capixaba em 23 de agosto de 1989. Eu faria 11 anos. Ela também. A inauguração foi marcada por mais uma caminhada da população, capitaneada pelo Governador Max Mauro. Como eu quis ir! Contentei-me em, pelo menos, assistir pela televisão. Ainda posso ver o carro oficial do Governo do Estado, um Opala preto como a cor dos cabelos de um Max Mauro ainda jovem. Eram 3,3 km de extensão, com 250 postes e 250 lâmpadas. De um lado, a capital; do outro, a cidade mais antiga do Estado; acima, as bênçãos do Convento da Penha; e abaixo, o mar, separado, agora, de uma ponta a outra, por um vão livre de 260m, para que os navios pudessem passar.

Cruzamos a Terceira Ponte alguns dias depois, minha família e eu, quando a euforia havia diminuído. Iríamos a Vila Velha para passear, só como pretexto. No início, o pedágio, com os semáforos comandados de dentro das cabines e as cancelas automáticas me impressionaram! E depois, as pistas largas e daí o estreitamento, que mais parecia engolir os veículos; era como se decolássemos... Via o mar de lá de cima e as casas tão pequeninas, as pessoas e os automóveis, tudo parecia ser de brinquedo! E, no meu êxtase, olhei para o Convento da Penha e me benzi, pedindo proteção de Nossa Senhora para passar pelo vão de ferro, que tanto medo me inspirava. Foi a única vez em que meu irmão e eu fizemos silêncio, assustados pelo barulho abafado dos pneus. Depois voltamos aos pinotes, no banco de trás do carro, fazendo sinal de positivo para os outros motoristas e dando adeuzinho para as câmeras de segurança.

Com o tempo, a ponte virou clichê. Lembro-me da primeira vez que passei sobre ela de carro, sozinho, logo após tirar carteira. Morrendo de medo, é claro, mas, dessa vez, do trânsito propriamente dito, como qualquer motorista iniciante. Lembro-me também da troca de iluminação, em 2003, que realçou ainda mais a beleza da construção. Infelizmente, parece que só de uns tempos para cá o brasileiro se atinou de que pontes podem embelezar uma cidade... Houve também protestos sobre o preço do pedágio, incidentes; mas nada como quando a população capixaba se engalfinhou embaixo de um dos pilares para ver um navio esvaziar comportas para passar com alguns dos guindastes que seriam usados no porto da capital. Aquela tarde foi mágica!

32 anos podem não ser tanto para alguém, mas já são alguma coisa para uma ponte, que, além disso, possui 21 anos de fluxo. Como a população vitoriense simplesmente dobrou de tamanho desde então, a Terceira Ponte mostra constantemente sinais de esgotamento. Já se fala em uma quarta via de acesso e até uma quinta para desafogar o trânsito de mais de um milhão de veículos na Grande Vitória. Só pela ponte são em média 58 mil automóveis por dia, com um crescimento de 450% desde sua inauguração. Quem sabe antes do nosso aniversário de 40 anos esses problemas já tenham sido resolvidos? Em todo caso, espero fazer muitos anos com ela. Crescemos juntos, a Terceira Ponte e eu e, como bons capixabas que somos, assistimos a tantas transformações, nessas três décadas. Um dia, partirei. Ela ficará. Mas tenho certeza de que deixarei um pouco de mim naquele que certamente é um dos maiores símbolos da nossa identidade.



Crônica publicada na anologia “Escritos de Vitória, nº 27 – Pontes”,
lançada no dia 16 de dezembro de 2010.