Dei-me conta disso ao passar pela avenida à noite. Chovia muito e eu rodava com mais cautela, sem ligar se chegaria atrasado para a primeira aula. Não havia reparado até então, mas percebi que havia uma luz no meio do matagal que margeia um dos lados da pista. Reduzi obrigatoriamente para galgar um quebra-molas quando, surpreendentemente, vi que uma moradia havia sido erigida ali mesmo, no local de onde vinha a tal luz. Não pude acreditar! Como alguém conseguiria erguer uma vivenda, por pior que fosse, em meio a um local aparentemente tão inóspito, sem dispor dos recursos de uma grande construtora? Como isso seria possível?
Esperei um dia sem chuva e tive a minha confirmação: o engenho humano não conhece limites, nem para cima - e nem para baixo e alguém, à sua maneira e com os materiais que possuía em mãos, apressou-se ao lançamento do empreendimento ao lado e construiu uma “casa”. Melhor dizendo: um verdadeiro barraco, feito com restos de madeiras, paus e até luz elétrica, o famoso “gato”, certamente puxado dos vizinhos abastados do lado. Está tudo ali: porta, janela, um teto e até, quem diria, vista para a avenida, pela frente, e para a mata, aos fundos, além de uma vizinhança que, certamente, não deixa de ser um referencial. Com tantos “atributos”, não me espantei quando outra “residência” foi erguida, talvez uns cem ou cinquenta metros adiante, menos de um mês depois, com as mesmas características que a anterior.
Não quero, aqui, parecer elitista. Não tenho nada contra barracos ou favelas. São lugares com gente honesta, que apenas sonha em ter o mesmo que qualquer pessoa de bem: uma casa. Só me intriga por que a municipalidade já não fez alguma coisa para tirar essas famílias de lá e prover verdadeiramente dignidade a elas. O que está acontecendo às margens da Talma Ribeiro é só o começo de algo que já aconteceu com Feu Rosa, bairro vizinho: abandonados pelo poder público, os chamados “excluídos” procuram rincões cada vez mais distantes que se tornam verdadeiros depósitos de famílias desestruturadas, acarretando, no futuro, os clássicos problemas dos subúrbios brasileiros: violência, drogas, prostituição e tantos outros, frutos do descontrole populacional e da inércia do Poder Público.
Os “barracos da Talma”, como resolvi chamar, demonstram, dentre tantas coisas, o contraste dos dois Brasis dos quais já falei em outra crônica: de um lado, o embrião de um novo bolsão de pobreza e, do outro, o luxo e o requinte de um condomínio de mansões de gente que, certamente, pagará um peço mais alto do que seus imóveis para manter de pé aquele Brasil em que tudo funciona. Não me admirará quando o terceiro barraco for erguido, e o quarto, e o quinto, assim sucessivamente. Assim nasce um empreendimento de luxo. Assim nasce uma favela.
02 de agosto de 2010
Anaximandro Amorim,
Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras
(Cadeira 40)
É verdadee professor, suas cronicas como sempre... Perfeitass!!
ResponderExcluirAbraços
Ei Anax, ta chegando o dia da posse... Estarei lá prestigiando...A minha foi marcada para o dia 09 de novembro, com certeza um momento muito especial e inesquecivel
ResponderExcluirabraços
da amiga
parabéns pelo blog
renata
Professor Doutor Anaximandro,
ResponderExcluirO seu texto nos revela uma preocupação social, que deveria estar no topo das pautas do Poder Público. Entretanto, bem sabemos que não é assim que as coisas funcionam nas prioridades do referido poder.
Com estilo elegante, você fez a sua parte de cidadão e cronista da vida.
Abraços fraternos de seu amigo e admirador,
Edson Lobo