terça-feira, 2 de novembro de 2010

A MÁQUINA DO TEMPO

Enquanto aguardava para ser atendido, em um Banco do qual sou correntista, deixei-me inebriar por uma espécie de tec – tec – tec cadenciado, que vinha do fundo do salão em que me encontrava. Procurei com a cabeça por todos os lados e, sem conseguir me conter, abordei um funcionário que ali passava. “Com licença, esse barulho não seria de uma”... “É isso mesmo que você está pensando. De uma máquina de escrever”. Fiquei pasmo: como alguém, em pleno século XXI poderia ainda fazer uso daquilo? “Existe um tipo de ficha que só dá pra ser preenchida à máquina!”, ele arrematou. Não me contive: levantei-me, estiquei o pescoço e vi, por de trás de um pilar, uma grande máquina elétrica e, manejando-a com destreza, uma funcionária, já avançada na idade, sem olhar para as teclas, fazendo jus ao seu ofício de “datilógrafa”.

Aquela máquina de escrever tornou-se, para mim, naquele instante, como uma verdadeira máquina do tempo! Lembrei-me da máquina de minha mãe, uma Olympia de cor preta que vinha em uma malinha azul, de estampas florais. Muito mais arcaica que a máquina daquele Banco, a typewritter, como estava escrito nela, tinha teclas duras e pesadas, além de uma inconfundível fitinha vermelha e preta, sobre a qual os tipos batiam, fazendo as letras aparecerem. Meus pais eram “craques” no manuseio, minha mãe principalmente, de tanto bater contrato, quando também trabalhou em Banco. Eu, no entanto, sempre fui curioso: “catava milho”, como se diz – e ainda cato até hoje! Foi naquela Olympia preta que “datilografei” meu primeiro escrito, uma peça de teatro que encenaria na 3ª série do primeiro grau, hoje, ensino fundamental. Boas lembranças...

Lembro-me também quando pus as mãos pela primeira vez em uma máquina de escrever elétrica, no antigo serviço do meu pai. Fiquei encantado com aquele aparato “supermoderno”, que só escrevia ao ligar um botão. A escrita era muito mais rápida e o resultado final bem mais limpo que o texto da velha Olympia. Os documentos saíam muito mais bonitos, com cara de oficiais. Era um avanço, mas não como quando a indústria de máquinas de escrever lançou, na época em que os personal computers começaram a se tornar coqueluche, um modelo semieletrônico, com um visor digital e uma escrita mais suave. Elas tinham até memória, podendo guardar textos e datilografar em um número maior de caracteres. A novidade, obviamente, não vingou: para que ter uma máquina eletrônica se o computador fazia tudo aquilo e muito mais? Era o fim da era das máquinas de escrever.

Confesso que não gostei do tal do computador, logo de cara... achei-o frio demais, seco demais. Minha geração foi a da transição entre o antigo e o moderno. Assisti ao fim não apenas da máquina de escrever, mas dos vinis, do telefone a disco... Sentia falta daquele tec – tec – tec... Claro, hoje, posso afirmar que, como qualquer jovem da minha geração, estou totalmente inserido na era digital. Escrevo este texto em um moderníssimo netbook que, daqui a pouco tempo, será também peça de museu. Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de que mesmo o passado pode ter muito a nos ensinar. Ver aquela datilógrafa defendendo seu ofício nos mostra o quão estúpidos somos ao jogar o velho no lixo e abraçar o novo, sem olhar para trás; mas, principalmente, que um dia, nós também seremos velhos e que uma próxima geração fará o mesmo que eu fiz, naquela breve viagem no tempo, proporcionada por uma simples máquina de escrever.



Anaximandro Amorim,

Escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras,

Cadeira 40.

2 comentários:

  1. Lendo seu texto, lembrei-me de quanto usei a velha máquina de escrever. E achava o máximo! Adorei, Anax! Você escreve suavemente e posso sentir o som do seu netbook... Grande abraço! Sunny

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  2. Anax, este post me fez lembrar que quando criança eu pedi aos meus pais uma máquina de escrever de presente! Achava aquilo um barato! Ganhei uma Remington mecânica através da qual catei muito milho. Abraços, Elcio

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