domingo, 16 de janeiro de 2011

PLUTONELIA

Esses dias, na homilia, o padre, um tanto casmurro com jovens, disparou: esses moços e moças que ficam se perdendo, se entregando às festas, à bebida, ao cigarro, essas “plutonelias”. De início, achei que tivesse ouvido errado. Apurei os ouvidos e, continuando o sermão, o vigário repetiu a dose: são essas “plutonelias”... Percebi que todos se entreolharam atônitos, mas, sem dar o braço a torcer, riram junto com o padre, acompanhando-o no sermão e se indagando sobre o que diabos seria “plutonelia”? Pois é... também não fazia a mínima ideia...

Só sei que esse negócio de falar difícil é difícil mesmo. O problema é que, no afã de querer buscar alguma erudição, há quem se aventure em tentar tirar alguma coisa do fundo do baú. É aí que as distorções começam... anda, vira e mexe, a gente se depara com aquelas “pérolas do Enem”, como, por exemplo, “as primeiras damas são sempre mulheres” ou “isso se dá em países diferentes, como São Paulo e Rio”. Pior ainda é quando o cidadão resolve pôr a imaginação para funcionar! Cheguei a fazer aula de canto, e tive um colega, barítono de primeira, que improvisou: ele fez isso no “aulôr” do seu amor. O som saiu bonito, mas, indagado sobre o que era “aulôr”, o colega deu a clássica resposta: “não sei”. Nem eu... só sei que, dali pra frente, ele virou o “Aulôr” da turma. Até hoje, nem me lembro do verdadeiro nome dele!

Mas o maior inventor de palavras da atualidade é, sem dúvida, “Carro Velho, o Rei do Elogio”! “Hit” do sítio Youtube, “Carro Velho” é o apelido de Carlos Nascimento, vigia da prefeitura de Quixeramobim, no Ceará. Conhecido por seus “discursos elogiosos”, ele ganhou espaço ao se apresentar em um programa da “Rádio 104”, uma rádio comunitária de sua cidade. E ele gosta de “falar bonito”: em elogio ao locutor Carlos Elói, Nascimento soltou, em uma frase só, os adjetivos “mediocrático”, “retombante” e “cabriocárica”. E continuou dizendo que o amigo era “inoxidável”, “estrambólico”, “rélpis” e “batráquio”. É obvio que sua peroração valeu uma apresentação no quadro “Me Leva Brasil”, do Maurício Kubrusly, no Fantástico da Rede Globo e até uma propaganda de uma casa de forró, de “alta tecnologia ortofélica”. Um espetáculo!

Mas, certamente, o maior inventor de palavras da literatura brasileira é o escritor mineiro e imortal da ABL Guimarães Rosa (1908 – 1967). Em conversa com minha amiga acadêmica, a escritora Jô Drumond, uma das maiores autoridades na obra Roseana do Brasil, ela disse que um sem-número de termos foram revitalizados pelo autor, tais como “tutameia”, “mentecapto” e “estorvo”. Outro sem número saiu de sua lavra, como “protitutriz” (prostituta + meretriz) ou “moimechego” (moi, do francês + me, do português + ich, do alemão + ego). Pena que muitos “escritores”, com aspas mesmo, resolveram fingir seguir na escola de Rosa, o que rendeu obras de um artificialismo entediante. A exceção, claro, é minha amiga Jô que, com sua sensibilidade e talento ímpar, escreveu e publicou uma tese sobre o imortal mineiro, “As Dobras do Sertão”, de leitura obrigatória, e a belíssima crônica “Briquitando com as Palavras”, de seu outro livro, “Tearte”.

Falando em “briquitar com as palavras”, um grande poeta daqui do Espírito Santo, Paulo Sodré, lançou um livro com o nome “Lhecídio, gravuras de Sherazade na penúltima noite”, belíssimo por sinal. Seria uma espécie de “Suicídio do outro”, ou algo assim. Mas o mais criativo foi meu amigo e também acadêmico “Samuel Duarte”, que me sai com o “Incalistrado”. Trata-se de um excelente dicionário de topônimos capixabas de origem tupi, uma pesquisa de fôlego, em que muitos mitos caem por terra. O maior deles é o nome do município capixaba de Guaçuí que, segundo Duarte, não é “Rio do Veado”, como se pensa, uma vez que o Tupi da costa capixaba não registra palavra para o cervo. Assim, Guaçuí chegaria mais próximo de guassu-y que significaria “Rio Grande”. Melhor para o pessoal de lá... ah, a propósito, você está se perguntando: o que significa “Incalistrado”? Sinto muito, não posso dizer, senão retiro a graça do livro! Fica a dica de leitura.

Mas, retornando à “plutonelia”: pois é, depois do espanto, resolvi, já em casa, consultar meu amigo Aurélio. Nada. Daí, resolvi apelar para meu amigo Houaiss, sempre maior e mais completo. Outra decepção. O máximo que consegui foi “plutoniano”, relativo ao deus Plutão ou ao planeta do mesmo nome. Há também o prefixo “pluto”, que tem a ver com “riqueza” (e nenhuma relação com Walt Disney). Mas nada de “plutonelia”. Então, já que se tratava de um padre, resolvi apelar para “São Google, o santo dos pesquisadores desesperados”; nem se eu fizesse novena: só encontro “Plutônia”, romance de ficção científica do russo Vladmir A. Obruchev (1863 – 1956), sobre uma viagem ao centro da Terra. O que significa “plutonelia”? Não sei! Não sei se é invencionice do vigário ou se é tão raro que nem está nos dicionários. Assim, faço um apelo: se você que está lendo este texto souber o que significa “plutonelia”, entre em contato comigo. Ajude um escritor a encontrar argumentos para uma próxima crônica. Muito obrigado.

5 comentários:

  1. Anax, que maldade... Como um bom blogueiro (ih, essa palavra está no dicionário?? rsrsrs)vc bem podia ter ido perguntar ao vigário que diacho significa "plutonelia"!!!! Vou ficar "urubuservando" seu blog a fim de saber o significado desse verbete, pois sei que sua curiosidade falará mais alto e vc vai descobrir o que é isso (e contar pra gente, é claro)!!! De qualquer forma vc foi "chiquérrimo" ao nos falar de Guimarães Rosa - esse sim, inventor ilustre de palavras. Viu, até com essas invencionices conseguimos nos comunicar. Às vezes rsrsrs. Beijos, Mari.

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  2. OLá Anax,
    Adorei sua crônica, com certeza a lingua é playground mas alguns , ao brincar, se machucam feio...
    destacaste bem a genialidade do Rosa, a leitura da obra Grande sertão me marcou profundamente, tanto que que depois até arrisquei uns palavroriozinhos diferentes
    beijos mil

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  3. E, ao final, o que é Plutonelia? Vai saber! Deve ser sinônimo de cabriocárico!
    Excelente crônica!

    Alexandre Amorim.

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  4. Olá, Anax!


    Mais uma crônica excelente, hein, meu amigo?

    Olhe, confesso que essa da "plutonelia" me deixou curioso.

    A coisa mais parecida que conheço é o restritivo específico de dois gêneros de lepidópteros (ordem das borboletas e mariposas), quais sejam: as mariposas das espécies Tosca plutanella e Hypochalcia plutonella.

    "Mariposa", como sabemos, é uma palavra também usada como sinônimo de "prostituta".

    De qualquer forma, só coloquei isto aqui para atiçar nossa curiosidade quanto ao que o tal padre poderia estar querendo dizer. Mas, sinceramente, não creio que ele tenha ido tão longe quanto a vasculhar as classificações taxonômicas entomológicas para conceber um neologismo em português. Hehehe...

    Um forte abraço, Anax!

    ~ Camilo.

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  5. Anax, cada dia melhor. Não sei o que significa a palavra, mas com certeza o padre sabia... rs - Anax, eu inventei uma palavra também : Ticuninas. A Nina é minha cachorrinha e eu comprei uns periquitos australianos para fazer companhia pra ela. Sem querer, um dia eu os chamei de Ticuninhos. Depois descobri que as duas são meninas... --- Mil beijos de sua admiradora demais! Sunny

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