segunda-feira, 6 de junho de 2011

O OLHO DE QUEM VÊ

Trabalho em um edifício, no centro de Vitória, a uma quadra da baía e, da janela do meu setor, eu vejo parte da Avenida Beira Mar, do porto e da cidade de Vila Velha, com muitos dos seus arranha-céus. Havia um deles, especificamente, bem longe, que me intrigava. Não conseguia enxergá-lo direito, mas, a despeito da minha miopia, achava-o mesmo enorme! Como me chamava atenção! Com óculos ou sem óculos, o prédio parecia ser em formato cilíndrico, com umas duas ou três torres menores, ao lado do corpo e uns cem andares. Jurei para mim mesmo que, em um fim de semana qualquer, ainda pegaria o carro para ver aquele monstro colossal, que tanto medo parecia impor.

Aliás, por falar em medo, esse negócio, às vezes, chega até a ser até engraçado. Digo isso porque, confesso, sofria de cinofobia, que é um temor exagerado de cachorros. Do Pitbull ao Chiuaua, cães me davam pânico. Até o dia em que fui estudar na França e, hospedado em casa de família, tive de conviver forçosamente com Mélisse, uma dulcíssima Sheepdog que me seguia pela casa inteira. Lembro-me da primeira vez que a vi. Ela parecia gigante! Minha reação foi querer voltar para o Brasil imediatamente, mas, com o tempo, comecei a vê-la tão pequena, até ela ficar minúscula. Do tamanho do meu medo.

De fato, todos temos algum medo. Só que alguns de nós o enxergamos com um telescópio. Eu, atualmente, luto para vê-lo de lupa. Vítima de um grave acidente, há pouco menos de dois anos, fui convidado a voltar a pôr o pé na estrada. Foi como se, de súbito, eu enxergasse tudo de novo, como num filme, por uma tela bem grande, tão maior que Mélisse ou que o prédio do lado de lá da baía. E, como da primeira vez, também senti vontade de correr desse monstro colossal. No entanto, decidi ajustar as minhas lentes para olhá-lo bem de pertinho. Ele era feio, sim, e fazia a estrada maior e muito mais perigosa do que ela realmente era; fazia os carros parecerem sair de suas pistas e invadirem a contramão, a qualquer instante.

Durante a viagem, porém, notei que o monstro foi ficando pequeno, do tamanho daquele meu outro medo. E, de feio, ficou até risível. Os meus olhos, então, míopes por ele, começaram a enxergar o bucolismo da autoestrada, o púrpura do pôr do sol e a beleza da minha terra, um amálgama de gentes e de cores como pintor algum conseguiria retratar! Mas, principalmente, comecei a ver que medo algum é suficiente contra o amor. Estava vencendo uma batalha para fazer aquilo de que, certamente, sou predestinado, desde quando renasci daquele acidente: ensinar - e também aprender. Foi quando percebi que já não havia monstro algum, pois não mais enxergava com os olhos dos olhos, mas com os olhos do coração. E que outrora, míope pelo medo, tornei-me míope para o medo.

Singrei o Espírito Santo de norte a sul, na companhia de colegas maravilhosos, que fizeram o possível para me deixar à vontade. Nem o fato de termos “errado” uns caminhos – por querer, sim senhor! – me deixou assustado, ao revés: foi tudo uma redescoberta. Era como se, de fato, eu houvesse renascido, naquele 07 de setembro de 2009 e estivesse, agora, vendo o mundo pela primeira vez, tão grande e, ao mesmo tempo, tão meu. Conheci gente boa, bonita e, como numa espécie de “caravana da prosperidade”, levamos conhecimento para pessoas ávidas em aprender – e aprendemos com elas, o que fez valer à pena cada quilômetro percorrido. E reafirmar a minha missão nesta Terra.

Hoje eu ainda vejo o monstro do medo, mas ele é muito pequeno, como qualquer cachorro. Meus olhos dos olhos são míopes para ele. Meus olhos do coração não o enxergam mais. Talvez ele possa até me dar um susto, de vez em quando, mas é só tirar os óculos que pronto! Ele desaparece da minha frente. Ah, a propósito, você se lembra do prédio que via da janela do meu trabalho? Pois é, eu fui até lá e ele não era nem um pouco igual ao que eu imaginava. Grande, mas nem tanto, reto e sem graça. Como uma metáfora do medo. Você pode fugir dele ou se aproximar; ele pode ser grande ou pequeno; imponente ou sóbrio. Não importa. Tudo depende apenas de como você o vê.

5 comentários:

  1. Lembrei de um livro infantil de Chico Buarque, Chapeuzinho Amarelo, que fala exatamente desse processo de trabalhar o medo. Bonita crônica.

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  2. Olá Anax, que belo texto! Adorei... Como é dificl encarar o medo, não? MAs você revelou coragem ao pegar a estrada de peito aberto e encontrou beleza, viu as pessoas, acredito que o medo tem haver com "se fechar", não arriscar, é ai precisamos recorrer ao herói interior...
    baci
    renata

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  3. Eu li mais cedo mas não consegui comentar. Você merece muitos prêmios: abraços, admiração, beleza, tudo. Eu li tudo com gostinho de quero mais. Superar os medos com dignidade, como você, é força de poucos. Muita admiração, Anax. Kisses, Sunny

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  4. Maravilhoso ...eu sabia que a Marilena recomendando seria algo muito bom!!
    Grande abraço pr avc.

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  5. Olá Anax, hoje repetiram sua entrevista no programa Dedo de prosa, da ALES. Este é o unico programa que pode repetir mil vezes pois aprendemos sempre algo novo com os escritores da nossa terra. Te assisti e fiquei orgulhosa de ser sua amiga, visse?
    abraços fraternos
    REnata

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