domingo, 20 de novembro de 2011

INFÂNCIA 80 – PARTE II

“Minha dor é perceber que apesar de termo feito tudo, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais...”(Belchior)



“Zeitgeist” (pronuncia-se zaitgaist) é o segundo livro da minha amiga, advogada, jornalista e escritora Jeanne Bilich. Colaboradora regular do jornal “A Gazeta”, Jeanne permeia, em dezenas de crônicas, vários assuntos, dentre os quais, mais presente, o conflito de gerações, como a sua, a dos chamados baby boomers, a turma que nasceu no pós-Segunda Guerra, com os tempos de hoje, como ela diz, da era da “pós-modernidade”. Pílulas anticoncepcionais, sutiãs queimados convivem lado a lado com laptops, ipods, tudo se descortinando frente aos olhos de uma mulher maravilhada com os prodígios deste século. O livro traz questionamentos tão interessantes que, após chegar ao fim da última página, perguntei: e eu? Onde encaixaria a minha infância 80 nessa história toda?

A minha primeira dificuldade foi, aliás, me encaixar... nunca entendi direito esse lance de geração. Achava que eu é que era da geração baby boom. Pra quem não sabe inglês, a palavra, ao pé da letra, significa “explosão de bebês”. Sempre soube que no fim dos anos 1970 a natalidade aumentou no Brasil e no mundo. Também achava que eu era da X Generation, por conta de um jeans que era vendido quando eu era criança. Qual não foi o meu susto quando, em pesquisa no Google, descobri um artigo que dizia que, na verdade, eu e meus amigos de infância 80 pertencíamos à “Geração Y”, que nem sabia que existia! Aliás, saber exatamente quem é quem foi uma luta: nasci em 1978 e havia artigos que diziam que tal geração era do fim dos anos 70, do começo dos anos 80 e por aí vai. O que me fez sentir que, certamente, uma das nossas características seja essa: somos difíceis de ser encaixados em um padrão preestabelecido.

Explico: descobri que nós, da “Geração Y”, não temos forma definida, fazemos muita coisa ao mesmo tempo. Isso não deixa de ser uma verdade. Só fico me perguntando se tudo é uma questão de causa ou consequência. Inauguramos as aulas de caratê, judô, balé, jazz, depois da escola. Fomos também a primeira geração a ir para creches, um escândalo para a época, porque as mães já começavam a ir pra rua, pra sustentar a casa, uma vez que a lei do divórcio já havia sido aprovada no final da década anterior. Somos os filhos de mães divorciadas, solteiras, ou que, simplesmente, em épocas de hiperinflação, resolveram contribuir para o orçamento doméstico. Muitos de nós ficamos por conta das babás, das avós... Tivemos de aprender a nos virar sozinhos, fazer a lancheira, pegar o ônibus, a Kombi. Acho que nossa geração foi a interseção entre dois mundos, o da rua e o da casa, dos apartamentos que tiraram de nossos pés os quintais de chão batido e de caramboleiras para nos enfiar nas quadras esportivas, nos clubes, na frente dos aparelhos televisores.

Dizem também que nós crescemos com a tecnologia. De fato, eu me lembro do meu Atari, que tenho, hoje, presente de um amigo, com seus cartuchos e uma caixinha seletora, para ser acoplada atrás da tevê. As imagens eram de péssima resolução, as telas abauladas, com tubos gigantes, mas que serviam para tudo, inclusive de monitor de computador. Meu primeiro foi um TK 2000, que demandava até fita cassete! Mais tarde, foi um MSX, moderníssimo para a época. Tudo tão rudimentar e, ao mesmo tempo, tão inocente, que nos dava a sensação de que sabíamos mexer, de que tínhamos o controle. Creio, inclusive, que essa foi uma das marcas da década de 1980: era o fim da ternura e o início de uma euforia que viria a conhecer seu boom nos tempos de hoje, em que a tecnologia muda em menos de seis meses – e não conseguimos mexer em nada. Talvez por isso nos sintamos tão jovens e tão “dinossáuricos”, ao mesmo tempo! Talvez por isso que nos sintamos, de vez em quando, tão fora do controle!

O artigo também dizia que somos questionadores, queremos flexibilidade de horário, mudamos de trabalho com frequência. Não sei se isso é exatamente uma verdade. Acho que, questionador, todo mundo é. Talvez a nossa geração o seja mais porque nunca se teve tanta opção nesse mundo como agora. Antigamente, dizem, as pessoas saiam da faculdade com emprego, entravam em um trabalho e ali se aposentavam. As opções eram poucas e a vida era aquilo ali e pronto. Hoje, o mundo da tal “pós-modernidade” é tão dinâmico que nos sentimos perdidos. E, de fato, eu noto em nós um certo vazio existencial, um “para onde ir depois?”. É tudo tão efêmero, tão rápido, que não me espanta, muitas vezes, encontrar gente da minha idade sem saber o que quer, sem saber o que fazer... talvez por isso tenha tanta gente que queira mudar de vida, de emprego, de marido, de esposa, de cor de cabelo, na camaleonice de um povo sem fôrma, sem forma, fora dos moldes, que às vezes é criança, às vezes é adulto, às vezes é velho, às vezes é novo.

Trinta anos depois, estamos aqui, prontos pra ganhar o mundo, a despeito de todos os nossos defeitos e qualidades. Dizem que somos mais ansiosos, mais impulsivos; dizem que somos mais rápidos, mais flexíveis. A verdade é que não somos nem melhores, nem piores que qualquer outra geração. Estamos indo para as ruas, estamos trabalhando; estamos buscando as igrejas, estamos nos casando. Como serão os nossos filhos? Será que, no fundo, somos uma geração careta? Não sei. Contraditória, certamente. Esta é a nossa marca. Ao mesmo tempo em que dominamos o mundo virtual com blogs e perfis nas redes sociais, buscamos um concurso público, para termos estabilidade. Ao mesmo tempo em que não queremos sair da casa dos pais, queremos ter nosso próprio apê, de preferência, comprado na planta. Talvez, como minha amiga Jeanne, eu também escreva, um dia, sobre nós. Mas, de antemão, ao ver a turma da infância 80 nos dias de hoje, eu me lembro daquela música de Belchior: “ainda somos os mesmos/ e vivemos como os nossos pais”; o invólucro pode ser diferente, mas não o conteúdo. Somos todos, no fundo no fundo, a mesma coisa. Somos todos, gente.

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