segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O DIÁRIO DE UM PEDESTRE: COMO FOI FICAR TRINTA DIAS SEM CARRO

Por motivos que nem convém lembrar, na troca de um carro por outro, tive de ficar uns 30 dias a pé. Nada mal para uma pessoa que não gosta de dirigir, se não fosse sentir na pele a difícil convivência entre pedestres e motoristas, nesse nosso caótico trânsito da Grande Vitória.

Nos meus primeiros dias de pedestre, a principal dificuldade foi vencer a dependência do automóvel. Isso, a gente só percebe quando anda a pé, mesmo. É possível viver sem carro, sim, obviamente, até um certo limite. Quando é preciso se deslocar rapidamente, para uma emergência ou um compromisso, por exemplo. O problema é quando você vê gente tirando carro para ir a duas quadras comprar pão ou chegar até a praia de Camburi, morando nos bairros circunvizinhos. Aí, é demais! Confesso, de início, que já fui assim, mas hoje, não. No entanto, sou daqueles que precisam do carro para um rápido deslocamento, coisa, aliás, muito difícil nos já comuns engarrafamentos da cidade, pagando, no final, caro por isso, seja por conta do combustível, do pedágio e dos rotativos.

O problema, porém, é o transporte público. Aqui em Vitória existe até uma certa oferta de ônibus, mas só de ônibus. Assim, os coletivos vivem sempre lotados, sobretudo – e obviamente – nos horários de pico. Há momentos em que andar neles é uma tarefa desumana e perigosa, dado o volume de pessoas que se engalfinham. Tudo seria mais fácil se houvesse outras alternativas, tais como um metrô de superfície, túneis ou até mesmo a ressurreição do aquaviário, que pouparia um precioso tempo para os moradores de Vila Velha. Foi o que eu pude perceber, nessa época de ônibus, para cima e para baixo. É tudo uma espécie de “espiral do fracasso”: menos alternativas, mais ônibus, mais veículos. O resultado é o “tempão” que não apenas eu, mas todos os capixabas, esperamos nos pontos lotados.

Aliás, por falar em coletivo, como é difícil ler dentro do ônibus! Leitor contumaz, não conseguia ler uma linha direito, dada a precariedade de nossas ruas. É certo que a cidade está em obras para ficar melhor, mas não seria possível recapear o que já foi mexido? Tem buraco pra tudo quanto é lado – e isso é um perigo nos dias de chuva, quando não se consegue ver direito para onde se trafega; nos dias de sol, quando a poeira levanta e suja as casas, os estabelecimentos e os olhos e pulmões da gente; e para os pedestres, que, anda, vira e mexe, caem em um buraco mal tapado, como aconteceu com uma senhora, em Jardim da Penha, recentemente, num bueiro aberto. E ela quase perdeu a perna!

E por falar em pedestre, as nossas calçadas andam em petição de miséria! Retomo Jardim da Penha: tem calçada mais alta, calçada mais baixa, calçada com rampa, sem rampa, com árvore, sem árvore. Eu, que sou jovem, ainda consigo desviar dos “obstáculos”, mas fico imaginando quem é idoso ou mesmo deficiente físico. Fora quando os carros passam rentes a nós, transeuntes. Ou quando quase passam por cima, como no caso das faixas de pedestre. Até que, em Jardim da Penha, elas são respeitadas, mas na Praia do Canto, bairro que fica ao lado... quanto mais bonito é o carro, menos o motorista enxerga o pedestre. Não dá pra entender...

De fato, muito da culpa do trânsito é, também, por causa de nós, cidadãos. Lembro-me da minha primeira aula teórica de autoescola: “você está conduzindo uma tonelada de metal que pode matar você e os outros”. Fiquei marcado por esta frase. Acho que todo motorista deveria ouvir isso antes de sair de casa. Quanta imprudência! A começar pelo uso indevido de buzina. Por que será que em todo engarrafamento tem motorista que atola o dedo no volante? Será que há uma combinação secreta que faz com que, dependendo da quantidade de toques, o carro vire um helicóptero e você possa sair voando?

Há motoristas que pensam que as setas são opcionais e vão virando assim, sem mais nem menos, sem nos preparar – pedestres e outros motoristas – para a curva. Quando viram onde não podem. Estacionamento proibido, então, nem se fale! Tem muito jovem estacionando em vaga de idoso, muita gente saudável em vaga de deficiente... é o verdadeiro carnaval! Quando não se prendem os acessos àqueles que necessitam de cadeira de rodas ou que têm dificuldade de locomoção. E isso não é nem uma questão de respeitar as leis de trânsito, não. É uma questão de Direitos Humanos!

Motos, então, são um caso a parte: no volante ou fora dele, cedo aprendi a diferença entre “motociclista” e “motoqueiro” – e este último é quem povoa o trânsito. São aqueles que adquirem uma motocicleta com o objetivo único de “pegar o corredor”, buscando o vergonhoso “jeitinho brasileiro” no trânsito – e piorando as condições de circulação. Como vi gente cair de moto e como vi moto quase pegar muita gente! Como quando uma resolveu trafegar no meio da Avenida Princesa Isabel, no Centro de Vitória, na faixa destinada exclusivamente aos pedestres. Revoltante. Sorte que ninguém se machucou.

Ao final dos quase trinta dias de pedestre, eu peguei meu carro novo. “Mais um carro no trânsito”, pensei. Engraçado, confesso, nunca fui um motorista estressado, mas, agora, depois desse tempinho andando a pé, pude enxergar muita coisa que, depois de tanto tempo ao volante, não via. Uma delas é que não há nada mais saudável que fazer rodízio de carona. Peguei várias e ando dando várias também. Muitas empresas estimulam a prática, que desafoga o trânsito, além de contribuir para a camada de ozônio. Pode reparar: pelo menos, aqui na Grande Vitória, a maioria dos automóveis circula com motoristas solitários ao volante.

Outra coisa importante foi que não adianta se estressar: tem muito carro e moto na rua, os semáforos são dessincronizados e tudo mais, mas a coisa é assim, mesmo. Saia mais cedo de casa ou bote uma musiquinha bem relaxante no seu rádio e deixe a coisa rolar. É como diria a minha avó: “o que não tem remédio, remediado está”. E se você for daquele tipo que não se desestressa nunca, largue o carro: vá de ônibus, de carona, de bicicleta, ou até mesmo a pé. O trânsito já está muito cheio de malucos e um a menos já é um ótimo começo!

Não há melhor aprendizado do que quando a gente sente algo na pele. Foi o que aconteceu comigo. Acho que todo motorista deveria largar o carro por trinta dias e sentir toda fragilidade de ser um pedestre. Certamente, o trânsito seria mais humano e isso, tal como respirar ar puro ou preservar as árvores, também faz parte de um meio ambiente sadio e equilibrado. Ficar sem carro não é o fim do mundo, é a melhora dele. Tentar é uma questão de coragem. E de cidadania também.

Crônica publicada na Revista dos 90 anos da Academia Espírito-Santense de Letras, edição especial, patrocinada pelo Instituto Sincades, às páginas 58 a 61 (novembro de 2011)

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